A COMUNIDADE DO DISCÍPULO AMADO

BROWN, Raymond Edward. A comunidade do discípulo amado. São Paulo, SP: Paulus, 2013. 208 p.

Antes de começarmos a falar sobre o livro “A comunidade do discípulo amado”, faremos uma breve síntese da biografia do seu autor. Raymond Edward Brown (22/05/1928 - 08/071998) foi um padre sulpiciano americano chamado pela revista time como “o principal biblista católico norte-americano” [1]. Brown foi um dos pioneiros católicos a usar, nos Estados Unidos, o método histórico-crítico para estudar a Bíblia.

Na introdução do livro “Problema e Método: para discernir a eclesiologia joanina”, o autor (chamaremos a partir daqui de Brown) chama a atenção para o terno “igreja” (gr.ekklesia) que nunca aparece no quarto evangelho. Conceitos como “Reino de Deus” e “Povo de Deus” aparecem com menos força que nos sinópticos e o último nem é visto na teologia joanina.

Brown expõe algumas premissas que norteará todo o livro. Em sua abordagem é possível perceber que o autor não faz um corte diacrônico muito agressivo, pois baseará suas conclusões no evangelho real, não em fontes reconstituídas (Brown p. 19). Em nota, no quarto capítulo, o autor explica melhor o porquê dessa consideração. Quando argumenta sobre os separatistas e das formas equivocadas de interpretação do quarto evangelho, ele reafirma a forma que está lidando com o processo de composição do quarto evangelho: ele foi todo redigido antes das epístolas (1,2,3 Joao). Brown não descarta a possiblidade de poder-se fazer outras reconstruções de composição do evangelho, mas neste livro não as utiliza porque o autor quer evitar a acusação de manipular o evangelho, por isso preferiu tratá-lo como um todo (Brown p. 167).

PRIMEIRA FASE - Antes do evangelho: origem da comunidade joanina

Segundo Brown, há concordância significativa entre os exegetas sobre haver pelo menos duas fases na evolução da comunidade joanina, porém ele vai além introduzindo uma terceira fase. No período primitivo, a comunidade joanina constava de judeus, cuja fé em Jesus constituía uma cristologia relativamente baixa [2].

Na primeira fase, “o grupo de origem e uma cristologia mais baixa”, essa cristologia era muito parecida com a dos sinópticos. Isso e percebido, pois há elementos de uma tradição mais antiga que o redator preserva e reinterpreta à luz de uma cristologia da preexistência (alta) no evangelho e nas epístolas.

Na segunda fase, isto é, no período da introdução da “cristologia alta” na comunidade, Brown atribuirá a compreensão teológica da cristologia dos samaritanos onde, no capítulo 4 do quarto evangelho, observa-se que o redator dá uma ênfase na expectativa messiânica da personagem samaritana (mulher samaritana). Segundo o autor: “É muito improvável que um samaritano crente aclamasse Jesus como Messias, no sentido dravídico, pois toda a teologia samaritana era orientada contra as pretensões da dinastia dravídica e de Jerusalém, a cidade de Davi”[...] “Com efeito os samaritanos esperavam um Taheb (aquele que volta, o restaurador) um mestre e um revelador (Brown p. 46). Essa cristologia alta (aqui ainda não chega a ser do nível de Niceia. Brown p. 55) é a que se tornará dominante na história da igreja. Essa hipótese do Brown é de suma importância para se compreender a gênese da alta cristologia na tradição do discípulo amado e na história da recepção dos seus estritos.

Na terceira fase, “os gentios e uma visão mais universalista”, Brown rompe com as reconstruções (teorias de Marty e Richter) que se contém somente com as duas fases que descrevemos a pouco. Brown vê algo do que aconteceu em Jo 12,20-23, quando a chegada de “alguns gregos” serve para Jesus como sinal que seu ministério tinha chegado ao fim. João associa isso à expulsão das sinagogas (12,42); ele supõe que foi particularmente quando os cristãos joaninos de origem judia foram rejeitados pelo judaísmo. Assim, com a baixa moral com os antigos irmãos (judaizantes) passaram a receber inúmeros gentios na comunidade. O resultado disso é a abertura mais universalista da mensagem da salvação (Brown p. 57).

SEGUNDA FASE - Quando o evangelho foi escrito: relações de João com os estranhos

Neste capitulo, Brown sugere uma datação bem tradicional do período da escrita do evangelho. Ele lança sua hipótese por volta do ano 90 d.C., o que é comum em outros comentaristas (Brown p. 61). Fica evidente, segundo o autor, que a insistência numa alta cristologia, tornada cada vez mais intensa pelas lutas com "os judeus" afeta as relações da comunidade com os outros grupos cristãos, cuja avaliação de Jesus é inadequada (segundo os padrões joaninos.) As tentativas de proclamar a luz de Jesus aos gentios podem também ter encontrado dificuldades e "o mundo" tornou-se um termo geral para todos aqueles que preferem as trevas à luz. O que é singular no trabalho do Brown é sua divisão dos grupos. Em síntese, era os que se opunham e não acreditaram em Jesus (I. O mundo, II. Os judeus, III. Os adeptos de João Batista) e os que afirmam que creem em Jesus (IV. Os criptocristãos, V. Os cristão judeus e VI. Cristão das igrejas apostólicas).

Vale destacar o conceito que Brown atribui ao evangelho: ele “não é um manifesto interno do grupo, que significa um triunfo sobre os estranhos. Sua finalidade é introduzir a própria comunidade joanina a entender Jesus mais profundamente (20.31).” (Brown p. 64).

Quando o autor aborda as características do grupo “V. As igrejas de cristão judeus de fé inadequada”, ele faz uma reflexão provocativa para nossos dias quando aborda o tema “heresia”. Brown, utilizando-se das lutas internas da comunidade Joanina, vai mostrar que é o “conservadorismo da tradição” antiga que se tornará a heresia posteriormente no concílio de Niceia em d.C 325 (Brown p. 83-84). Propomos uma reflexão para nossos dias: até quando o conservadorismo é saudável e até que ponto ele está limitado para responder verdades atuais?

TERCEIRA FASE - Quando foram escritas as epístolas? Lutas internas joaninas

Brown reconstrói a história da composição das epístolas datando-as a partir do séc. 1. d.C. Considerando intervalo de tempo significativo (10-20 anos) para que surgisse interpretações distintas do quarto evangelho e a partir daí começarem os conflitos internos da comunidade. Os grupos são divididos por dois: 1) o grupo do autor e aqueles que aceitam a sua interpretação; 2) os separatistas grupo que se opõe a interpretação do primeiro (Brown p. 111-112).

Para reconstruir o pensamento dos separatistas o qual o foco do conflito era nos temas da cristologia, ética, escatologia e pneumatologia, Brown faz com maestria e sem preconceito sendo honesto em dizer que o pensamento dos oponentes do autor não era sem lógica e possuía um caráter persuasivo dado às suas pressuposições. Afirma que ambas as interpretações possuem justificativas tendo como base o quarto evangelho: “nenhuma posição é uma total distorção. Brown vai além onde “considera que o os separatistas criam que a existência humana de Jesus, embora real, não era significativa do ponto de vista da salvação.” (Brown p. 118). Com isso eles fogem de exageros simplistas de alguns comentadores em apenas atribuir a negação da materialidade humana de Jesus, atribuindo essa interpretação aos oponentes do autor da epístola. Em outras palavras, o que eles (os oponentes) não consideravam era um real significado à obra do ministério terreno de Jesus.

A hipótese defendida por Raymond Edward Brown é de que o autor das epístolas precisara recorrer às tradições mais antigas contidas nos sinóticos e na tradição da bíblia hebraica, visto que não poderia negar verdades existentes (preexistência, veio de cima, escatologia quase que realizada…) no quarto evangelho onde os separatistas tiravam seus argumentos e tinha justificativas para isso. O autor da epístola também toma para si a autoridade da tradição da comunidade se utilizado do “nós vimos” (1 Jo 1.1-3).

QUARTA FASE - Depois das epístolas: dissolução joanina

Na quarta fase, Brown expõe a dissolução dos dois grupos joaninos depois que as epístolas foram escritas. Os separatistas, não mais em comunhão com a ala mais conservadora da comunidade joanina, provavelmente tenderam mais rapidamente no século segundo para o docetismo, o gnosticismo, o cerintianismo, e o montanismo. Com essa hipótese, fica claro perceber o porquê o quarto evangelho é citado mais cedo e mais frequentemente por escritores heterodoxos do que por escritores ortodoxos. Os adeptos do autor de 1Jo no começo do século segundo parecem ter gradualmente se incorporado no que Inácio de Antioquia chama “a Igreja Católica”, como se demonstra pela aceitação crescente da cristologia joanina da preexistência do Verbo. Entretanto, esta incorporação deve ter custado o preço da aceitação joanina da estrutura autoritária do ensino da Igreja, provavelmente porque o seu próprio princípio do Paráclito como o mestre não ofereceu defesa suficiente contra os separatistas. Como os separatistas e seus descendentes hetorodoxos usaram mal o quarto evangelho, ele não é citado como Escritura pelos escritores ortodoxos na primeira parte do século II. (Brown p. 151-156)

Portanto, Raymond Brown nessa obra contribuiu para um olhar esclarecedor sobre a cristologia do quarto evangelho, a forma que comunidade lida com o paraclito, os modelos de eclesiologias existentes nos evangelhos e epistolas. Com isso leva o leitor moderno a uma reflexão a parti do papel desempenhado pelo discípulo amado e nos encoraja a evitar disputas por cargos e títulos e buscar sermos apenas dignos de sermos chamados de dispulos amados. A conclusão do livro aponta para hipótese de que o uso das epístolas como um guia correto para interpretar o evangelho finalmente conquistou para João um lugar no cânon da Igreja.

Antes de começarmos a falar sobre o livro “A comunidade do discípulo amado”, faremos uma breve síntese da biografia do seu autor. Raymond Edward Brown (22/05/1928 - 08/071998) foi um padre sulpiciano americano chamado pela revista time como “o principal biblista católico norte-americano”. Brown foi um dos pioneiros católicos a usar, nos Estados Unidos, o método histórico-crítico para estudar a Bíblia.

Na introdução do livro “Problema e Método: para discernir a eclesiologia joanina”, o autor (chamaremos a partir daqui de Brown) chama a atenção para o terno “igreja” (gr.ekklesia) que nunca aparece no quarto evangelho. Conceitos como “Reino de Deus” e “Povo de Deus” aparecem com menos força que nos sinópticos e o último nem é visto na teologia joanina.

Brown expõe algumas premissas que norteará todo o livro. Em sua abordagem é possível perceber que o autor não faz um corte diacrônico muito agressivo, pois baseará suas conclusões no evangelho real, não em fontes reconstituídas (Brown p. 19). Em nota, no quarto capítulo, o autor explica melhor o porquê dessa consideração. Quando argumenta sobre os separatistas e das formas equivocadas de interpretação do quarto evangelho, ele reafirma a forma que está lidando com o processo de composição do quarto evangelho: ele foi todo redigido antes das epístolas (1,2,3 Joao). Brown não descarta a possiblidade de poder-se fazer outras reconstruções de composição do evangelho, mas neste livro não as utiliza porque o autor quer evitar a acusação de manipular o evangelho, por isso preferiu tratá-lo como um todo (Brown p. 167).

PRIMEIRA FASE - Antes do evangelho: origem da comunidade joanina

Segundo Brown, há concordância significativa entre os exegetas sobre haver pelo menos duas fases na evolução da comunidade joanina, porém ele vai além introduzindo uma terceira fase. No período primitivo, a comunidade joanina constava de judeus, cuja fé em Jesus constituía uma cristologia relativamente baixa.

Na primeira fase, “o grupo de origem e uma cristologia mais baixa”, essa cristologia era muito parecida com a dos sinópticos. Isso e percebido, pois há elementos de uma tradição mais antiga que o redator preserva e reinterpreta à luz de uma cristologia da preexistência (alta) no evangelho e nas epístolas.

Na segunda fase, isto é, no período da introdução da “cristologia alta” na comunidade, Brown atribuirá a compreensão teológica da cristologia dos samaritanos onde, no capítulo 4 do quarto evangelho, observa-se que o redator dá uma ênfase na expectativa messiânica da personagem samaritana (mulher samaritana). Segundo o autor: “É muito improvável que um samaritano crente aclamasse Jesus como Messias, no sentido dravídico, pois toda a teologia samaritana era orientada contra as pretensões da dinastia dravídica e de Jerusalém, a cidade de Davi”[...] “Com efeito os samaritanos esperavam um Taheb (aquele que volta, o restaurador) um mestre e um revelador (Brown p. 46). Essa cristologia alta (aqui ainda não chega a ser do nível de Niceia. Brown p. 55) é a que se tornará dominante na história da igreja. Essa hipótese do Brown é de suma importância para se compreender a gênese da alta cristologia na tradição do discípulo amado e na história da recepção dos seus estritos.

Na terceira fase, “os gentios e uma visão mais universalista”, Brown rompe com as reconstruções (teorias de Marty e Richter) que se contém somente com as duas fases que descrevemos a pouco. Brown vê algo do que aconteceu em Jo 12,20-23, quando a chegada de “alguns gregos” serve para Jesus como sinal que seu ministério tinha chegado ao fim. João associa isso à expulsão das sinagogas (12,42); ele supõe que foi particularmente quando os cristãos joaninos de origem judia foram rejeitados pelo judaísmo. Assim, com a baixa moral com os antigos irmãos (judaizantes) passaram a receber inúmeros gentios na comunidade. O resultado disso é a abertura mais universalista da mensagem da salvação (Brown p. 57).

SEGUNDA FASE - Quando o evangelho foi escrito: relações de João com os estranhos

Neste capitulo, Brown sugere uma datação bem tradicional do período da escrita do evangelho. Ele lança sua hipótese por volta do ano 90 d.C., o que é comum em outros comentaristas (Brown p. 61). Fica evidente, segundo o autor, que a insistência numa alta cristologia, tornada cada vez mais intensa pelas lutas com "os judeus" afeta as relações da comunidade com os outros grupos cristãos, cuja avaliação de Jesus é inadequada (segundo os padrões joaninos.) As tentativas de proclamar a luz de Jesus aos gentios podem também ter encontrado dificuldades e "o mundo" tornou-se um termo geral para todos aqueles que preferem as trevas à luz. O que é singular no trabalho do Brown é sua divisão dos grupos. Em síntese, era os que se opunham e não acreditaram em Jesus (I. O mundo, II. Os judeus, III. Os adeptos de João Batista) e os que afirmam que creem em Jesus (IV. Os criptocristãos, V. Os cristão judeus e VI. Cristão das igrejas apostólicas).

Vale destacar o conceito que Brown atribui ao evangelho: ele “não é um manifesto interno do grupo, que significa um triunfo sobre os estranhos. Sua finalidade é introduzir a própria comunidade joanina a entender Jesus mais profundamente (20.31).” (Brown p. 64).

Quando o autor aborda as características do grupo “V. As igrejas de cristão judeus de fé inadequada”, ele faz uma reflexão provocativa para nossos dias quando aborda o tema “heresia”. Brown, utilizando-se das lutas internas da comunidade Joanina, vai mostrar que é o “conservadorismo da tradição” antiga que se tornará a heresia posteriormente no concílio de Niceia em d.C 325 (Brown p. 83-84). Propomos uma reflexão para nossos dias: até quando o conservadorismo é saudável e até que ponto ele está limitado para responder verdades atuais?

TERCEIRA FASE - Quando foram escritas as epístolas? Lutas internas joaninas

Brown reconstrói a história da composição das epístolas datando-as a partir do séc. 1. d.C. Considerando intervalo de tempo significativo (10-20 anos) para que surgisse interpretações distintas do quarto evangelho e a partir daí começarem os conflitos internos da comunidade. Os grupos são divididos por dois: 1) o grupo do autor e aqueles que aceitam a sua interpretação; 2) os separatistas grupo que se opõe a interpretação do primeiro (Brown p. 111-112).

Para reconstruir o pensamento dos separatistas o qual o foco do conflito era nos temas da cristologia, ética, escatologia e pneumatologia, Brown faz com maestria e sem preconceito sendo honesto em dizer que o pensamento dos oponentes do autor não era sem lógica e possuía um caráter persuasivo dado às suas pressuposições. Afirma que ambas as interpretações possuem justificativas tendo como base o quarto evangelho: “nenhuma posição é uma total distorção. Brown vai além onde “considera que o os separatistas criam que a existência humana de Jesus, embora real, não era significativa do ponto de vista da salvação.” (Brown p. 118). Com isso eles fogem de exageros simplistas de alguns comentadores em apenas atribuir a negação da materialidade humana de Jesus, atribuindo essa interpretação aos oponentes do autor da epístola. Em outras palavras, o que eles (os oponentes) não consideravam era um real significado à obra do ministério terreno de Jesus.

A hipótese defendida por Raymond Edward Brown é de que o autor das epístolas precisara recorrer às tradições mais antigas contidas nos sinóticos e na tradição da bíblia hebraica, visto que não poderia negar verdades existentes (preexistência, veio de cima, escatologia quase que realizada…) no quarto evangelho onde os separatistas tiravam seus argumentos e tinha justificativas para isso. O autor da epístola também toma para si a autoridade da tradição da comunidade se utilizado do “nós vimos” (1 Jo 1.1-3).

QUARTA FASE - Depois das epístolas: dissolução joanina

Na quarta fase, Brown expõe a dissolução dos dois grupos joaninos depois que as epístolas foram escritas. Os separatistas, não mais em comunhão com a ala mais conservadora da comunidade joanina, provavelmente tenderam mais rapidamente no século segundo para o docetismo, o gnosticismo, o cerintianismo, e o montanismo. Com essa hipótese, fica claro perceber o porquê o quarto evangelho é citado mais cedo e mais frequentemente por escritores heterodoxos do que por escritores ortodoxos. Os adeptos do autor de 1Jo no começo do século segundo parecem ter gradualmente se incorporado no que Inácio de Antioquia chama “a Igreja Católica”, como se demonstra pela aceitação crescente da cristologia joanina da preexistência do Verbo. Entretanto, esta incorporação deve ter custado o preço da aceitação joanina da estrutura autoritária do ensino da Igreja, provavelmente porque o seu próprio princípio do Paráclito como o mestre não ofereceu defesa suficiente contra os separatistas. Como os separatistas e seus descendentes hetorodoxos usaram mal o quarto evangelho, ele não é citado como Escritura pelos escritores ortodoxos na primeira parte do século II. (Brown p. 151-156)

Portanto, Raymond Brown nessa obra contribuiu para um olhar esclarecedor sobre a cristologia do quarto evangelho, a forma que comunidade lida com o paraclito, os modelos de eclesiologias existentes nos evangelhos e epistulas. Com isso leva o leitor moderno a uma reflexão a parti do papel desempenhado pelo discípulo amado e nos encoraja a evitar disputas por cargos e títulos e buscar sermos apenas dignos de sermos chamados de dispulos amados. A conclusão do livro aponta para hipótese de que o uso das epístolas como um guia correto para interpretar o evangelho finalmente conquistou para João um lugar no cânon da Igreja.

Antes de começarmos a falar sobre o livro “A comunidade do discípulo amado”, faremos uma breve síntese da biografia do seu autor. Raymond Edward Brown (22/05/1928 - 08/071998) foi um padre sulpiciano americano chamado pela revista time como “o principal biblista católico norte-americano”. Brown foi um dos pioneiros católicos a usar, nos Estados Unidos, o método histórico-crítico para estudar a Bíblia.

Na introdução do livro “Problema e Método: para discernir a eclesiologia joanina”, o autor (chamaremos a partir daqui de Brown) chama a atenção para o terno “igreja” (gr.ekklesia) que nunca aparece no quarto evangelho. Conceitos como “Reino de Deus” e “Povo de Deus” aparecem com menos força que nos sinópticos e o último nem é visto na teologia joanina.

Brown expõe algumas premissas que norteará todo o livro. Em sua abordagem é possível perceber que o autor não faz um corte diacrônico muito agressivo, pois baseará suas conclusões no evangelho real, não em fontes reconstituídas (Brown p. 19). Em nota, no quarto capítulo, o autor explica melhor o porquê dessa consideração. Quando argumenta sobre os separatistas e das formas equivocadas de interpretação do quarto evangelho, ele reafirma a forma que está lidando com o processo de composição do quarto evangelho: ele foi todo redigido antes das epístolas (1,2,3 Joao). Brown não descarta a possiblidade de poder-se fazer outras reconstruções de composição do evangelho, mas neste livro não as utiliza porque o autor quer evitar a acusação de manipular o evangelho, por isso preferiu tratá-lo como um todo (Brown p. 167).

PRIMEIRA FASE - Antes do evangelho: origem da comunidade joanina

Segundo Brown, há concordância significativa entre os exegetas sobre haver pelo menos duas fases na evolução da comunidade joanina, porém ele vai além introduzindo uma terceira fase. No período primitivo, a comunidade joanina constava de judeus, cuja fé em Jesus constituía uma cristologia relativamente baixa.

Na primeira fase, “o grupo de origem e uma cristologia mais baixa”, essa cristologia era muito parecida com a dos sinópticos. Isso e percebido, pois há elementos de uma tradição mais antiga que o redator preserva e reinterpreta à luz de uma cristologia da preexistência (alta) no evangelho e nas epístolas.

Na segunda fase, isto é, no período da introdução da “cristologia alta” na comunidade, Brown atribuirá a compreensão teológica da cristologia dos samaritanos onde, no capítulo 4 do quarto evangelho, observa-se que o redator dá uma ênfase na expectativa messiânica da personagem samaritana (mulher samaritana). Segundo o autor: “É muito improvável que um samaritano crente aclamasse Jesus como Messias, no sentido dravídico, pois toda a teologia samaritana era orientada contra as pretensões da dinastia dravídica e de Jerusalém, a cidade de Davi”[...] “Com efeito os samaritanos esperavam um Taheb (aquele que volta, o restaurador) um mestre e um revelador (Brown p. 46). Essa cristologia alta (aqui ainda não chega a ser do nível de Niceia. Brown p. 55) é a que se tornará dominante na história da igreja. Essa hipótese do Brown é de suma importância para se compreender a gênese da alta cristologia na tradição do discípulo amado e na história da recepção dos seus estritos.

Na terceira fase, “os gentios e uma visão mais universalista”, Brown rompe com as reconstruções (teorias de Marty e Richter) que se contém somente com as duas fases que descrevemos a pouco. Brown vê algo do que aconteceu em Jo 12,20-23, quando a chegada de “alguns gregos” serve para Jesus como sinal que seu ministério tinha chegado ao fim. João associa isso à expulsão das sinagogas (12,42); ele supõe que foi particularmente quando os cristãos joaninos de origem judia foram rejeitados pelo judaísmo. Assim, com a baixa moral com os antigos irmãos (judaizantes) passaram a receber inúmeros gentios na comunidade. O resultado disso é a abertura mais universalista da mensagem da salvação (Brown p. 57).

SEGUNDA FASE - Quando o evangelho foi escrito: relações de João com os estranhos

Neste capitulo, Brown sugere uma datação bem tradicional do período da escrita do evangelho. Ele lança sua hipótese por volta do ano 90 d.C., o que é comum em outros comentaristas (Brown p. 61). Fica evidente, segundo o autor, que a insistência numa alta cristologia, tornada cada vez mais intensa pelas lutas com "os judeus" afeta as relações da comunidade com os outros grupos cristãos, cuja avaliação de Jesus é inadequada (segundo os padrões joaninos.) As tentativas de proclamar a luz de Jesus aos gentios podem também ter encontrado dificuldades e "o mundo" tornou-se um termo geral para todos aqueles que preferem as trevas à luz. O que é singular no trabalho do Brown é sua divisão dos grupos. Em síntese, era os que se opunham e não acreditaram em Jesus (I. O mundo, II. Os judeus, III. Os adeptos de João Batista) e os que afirmam que creem em Jesus (IV. Os criptocristãos, V. Os cristão judeus e VI. Cristão das igrejas apostólicas).

Vale destacar o conceito que Brown atribui ao evangelho: ele “não é um manifesto interno do grupo, que significa um triunfo sobre os estranhos. Sua finalidade é introduzir a própria comunidade joanina a entender Jesus mais profundamente (20.31).” (Brown p. 64).

Quando o autor aborda as características do grupo “V. As igrejas de cristão judeus de fé inadequada”, ele faz uma reflexão provocativa para nossos dias quando aborda o tema “heresia”. Brown, utilizando-se das lutas internas da comunidade Joanina, vai mostrar que é o “conservadorismo da tradição” antiga que se tornará a heresia posteriormente no concílio de Niceia em d.C 325 (Brown p. 83-84). Propomos uma reflexão para nossos dias: até quando o conservadorismo é saudável e até que ponto ele está limitado para responder verdades atuais?

TERCEIRA FASE - Quando foram escritas as epístolas? Lutas internas joaninas

Brown reconstrói a história da composição das epístolas datando-as a partir do séc. 1. d.C. Considerando intervalo de tempo significativo (10-20 anos) para que surgisse interpretações distintas do quarto evangelho e a partir daí começarem os conflitos internos da comunidade. Os grupos são divididos por dois: 1) o grupo do autor e aqueles que aceitam a sua interpretação; 2) os separatistas grupo que se opõe a interpretação do primeiro (Brown p. 111-112).

Para reconstruir o pensamento dos separatistas o qual o foco do conflito era nos temas da cristologia, ética, escatologia e pneumatologia, Brown faz com maestria e sem preconceito sendo honesto em dizer que o pensamento dos oponentes do autor não era sem lógica e possuía um caráter persuasivo dado às suas pressuposições. Afirma que ambas as interpretações possuem justificativas tendo como base o quarto evangelho: “nenhuma posição é uma total distorção. Brown vai além onde “considera que o os separatistas criam que a existência humana de Jesus, embora real, não era significativa do ponto de vista da salvação.” (Brown p. 118). Com isso eles fogem de exageros simplistas de alguns comentadores em apenas atribuir a negação da materialidade humana de Jesus, atribuindo essa interpretação aos oponentes do autor da epístola. Em outras palavras, o que eles (os oponentes) não consideravam era um real significado à obra do ministério terreno de Jesus.

A hipótese defendida por Raymond Edward Brown é de que o autor das epístolas precisara recorrer às tradições mais antigas contidas nos sinóticos e na tradição da bíblia hebraica, visto que não poderia negar verdades existentes (preexistência, veio de cima, escatologia quase que realizada…) no quarto evangelho onde os separatistas tiravam seus argumentos e tinha justificativas para isso. O autor da epístola também toma para si a autoridade da tradição da comunidade se utilizado do “nós vimos” (1 Jo 1.1-3).

QUARTA FASE - Depois das epístolas: dissolução joanina

Na quarta fase, Brown expõe a dissolução dos dois grupos joaninos depois que as epístolas foram escritas. Os separatistas, não mais em comunhão com a ala mais conservadora da comunidade joanina, provavelmente tenderam mais rapidamente no século segundo para o docetismo, o gnosticismo, o cerintianismo, e o montanismo. Com essa hipótese, fica claro perceber o porquê o quarto evangelho é citado mais cedo e mais frequentemente por escritores heterodoxos do que por escritores ortodoxos. Os adeptos do autor de 1Jo no começo do século segundo parecem ter gradualmente se incorporado no que Inácio de Antioquia chama “a Igreja Católica”, como se demonstra pela aceitação crescente da cristologia joanina da preexistência do Verbo. Entretanto, esta incorporação deve ter custado o preço da aceitação joanina da estrutura autoritária do ensino da Igreja, provavelmente porque o seu próprio princípio do Paráclito como o mestre não ofereceu defesa suficiente contra os separatistas. Como os separatistas e seus descendentes hetorodoxos usaram mal o quarto evangelho, ele não é citado como Escritura pelos escritores ortodoxos na primeira parte do século II. (Brown p. 151-156)

Portanto, Raymond Brown nessa obra contribuiu para um olhar esclarecedor sobre a cristologia do quarto evangelho, a forma que comunidade lida com o paraclito, os modelos de eclesiologias existentes nos evangelhos e epistulas. Com isso leva o leitor moderno a uma reflexão a parti do papel desempenhado pelo discípulo amado e nos encoraja a evitar disputas por cargos e títulos e buscar sermos apenas dignos de sermos chamados de dispulos amados. A conclusão do livro aponta para hipótese de que o uso das epístolas como um guia correto para interpretar o evangelho finalmente conquistou para João um lugar no cânon da Igreja.

[1]BROWN, Raymond E. A morte do Messias: comentários das narrativas da paixão nos quatro evangelhos. São Paulo, SP: Paulinas, 2011.773 p. (contra capa)

[2] Vale lembrar que conceitos de cristologia baixa e alta é devido à instabilidade e a falta de demarcações exatas.

Arthur Carletto
Enviado por Arthur Carletto em 16/11/2022
Código do texto: T7651402
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