A Autoestrada – Uma obra talvez injustiçada
Todo pretenso escritor se sentiria desafiado diante da ideia de compor um romance girando em torno da extensão de uma rodovia interestadual. Para tornar mais inventiva (ou ao menos interessante) é bem possível que o autor prefira atribuir ao enredo o lado mais obscuro do progresso, com o asfalto significando a ruína de tantos sonhos como casas, praças... Foi mais ou menos esse o ponto de partida de Stephen King, ou melhor, do seu pseudônimo Richard Bachman que em 1981 lançava o livro Roadwork, nas terras tupiniquins chamado de A Autoestrada.
Com mais de quatro decênios nas costas, A Autoestrada não desponta, necessariamente, como uma das obras mais amadas de King, inclusive se ao invés de um livro o assunto fosse música, poderia ser caracterizado como daquelas canções lado B, alusivas aos discos de vinis. Uma das razões para uma parcela dos leitores fiéis torcerem o nariz para o livro pode estar atrelada à mudança de perspectiva, com o predominante terror daquele período dando lugar a um suspense psicológico carregado por um turbilhão de sentimentos, prevalecendo a tensão de um protagonista em cada página mais próximo de espocar.
O colapso nervoso não é um mero acaso. Bart Dawes parece um daqueles sujeitos irrepreensíveis, casado, com um bom emprego e que tenta superar a repentina morte do único rebento, principal gatilho a desencadear o conjunto de ações. O protagonista seguia sua jornada, até perder de vez as rédeas diante da extensão da rodovia. O preço do progresso: a desapropriação, incluindo de sua casa – aninhada pelas lembranças do filho - e de seu local de trabalho, sendo para ele, um custo excessivamente caro, ou até impagável.
A narrativa se estabelece de maneira indissociável se equiparada à boa parte dos livros assinados por King, com os acontecimentos, subdivididos em datas, sendo explorados de maneira linear. A Autoestrada, além da ausência do terror, talvez também desaponte o ledor pelo sobejo amargo, imperando certa melancolia, além de um desfecho arrebatador.
Afinal, Bachman é a voz mais intrínseca de King, rechaçando afagos, não hesitando em mandar pelos ares as perspectivas exultantes e assim, visceralmente, o autor se reinventou estabelecendo um contraste com sua obra característica.