Serão justos mesmo os Quatro Homens?
SERÃO JUSTOS MESMO OS QUATRO HOMENS?
Miguel Carqueija
Resenha do romance policial “Os quatro homens justos”, de Edgar Wallace. Círculo do Livro, São Paulo-SP, sem data. Título original inglês: “The four just men”. Tradução: Maria da Anunciação Rodrigues. Capa: Isabel Carballo.
Publicado originalmente em 1905, “Os quatro homens justos” é o início de uma série em torno de três personagens enigmáticos, León González, George Manfred e o químico Poiccart. Sim, do mesmo modo como os Três Mosqueteiros eram quatro, os Quatro Homens Justos eram três. Isso porque, quando a história começa, um, cujo nome não é revelado, já havia morrido num confronto com a polícia. É substituído pelo relutante Thery, que morre ao longo da novela; então só ficam três mesmo.
Na década de 60 eu li Edgar Wallace (1875-1932) pela primeira vez. Em revistas policiais saíam às vezes contos de sua autoria, inclusive dos Quatro Homens Justos. Numa delas constava que “há vinte anos não existia um quarto homem”, ou seja, uma história da década de 1920. Mas eu levei quase 50 anos para conseguir ler o livro inicial.
Tudo gira em torno de certo Sir Philip Roman, Ministro das Relações Exteriores da Inglaterra, que deseja estabelecer uma lei que permita repatriar fugitivos que estejam em outros países. Os Quatro — ou Três — Homens Justos — se opõem a isso, porque levaria pessoas à morte, e decidem por eles mesmos condenar Sir Philip à morte.
Tudo o mais é a tensão crescente, com o ministro obstinado em não ceder, enquanto os misteriosos justiceiros realizam atos audaciosos, burlando todas as providências da polícia, por mais que se esforce o Inspetor Falmouth. No fim, um verdadeiro aparato de guerra cerca o infeliz membro do governo britânico mas com uma falha facilmente reconhecível pelos leitores: ele insiste em ficar sozinho a portas fechadas em seus aposentos. Para qualquer leitor — e perdoem a revelação — isso já é um claro indício de que ele morrerá mesmo.
O que não convence muito é a ética dos três justiceiros: eles a si próprios dão o direito de matar a sangue frio, segundo o princípio de que os fins justificam os meios. Comparem com a ética de Sailor Moon, que numa situação ligeiramente similar declara: “Matar, nunca!” (quando se pretendeu que uma menina de 13 anos deveria ser morta por estar portando um princípio maligno prestes a despertar).
Os três “heróis” da trama são parecidos entre si e pouco densos psicologicamente; apenas se percebe que são fatídicos, determinados e impiedosos. Na verdade são anti-heróis como Arsène Lupin, embora este represente outro estilo.
Rio de Janeiro, 3 de outubro de 2022.