Arthur Machen: uma coletânea

 

ARTHUR MACHEN: UMA COLETÂNEA

Miguel Carqueija

 

Resenha do livro: “Arthur Machen: o mestre da “dark fantasy”. Editora Clock Tower, Jundiaí, São Paulo-SP, 1ª edição, 2022. Tradução: José Geraldo Campos Trindade. Capa: Ed Carlos Evans.

 

Arthur Machen, nascido Arthur Llewellyn Jones (3/3/1863) em Carleton, Monmouthshire, no País de Gales, falecido em 1947, é hoje reconhecido como um dos maiores nomes da literatura fantástica e de terror, chamando a atenção por sua elegância de linguagem, pelo seu estilo apurado e nobre.

Esta coletânea é uma excelente amostra de sua criatividade.

 

OS ARQUEIROS (The bowmen) – The Evening News, 29/9/1914.

Este conto é bem curto. Passa-se na I Guerra Mundial e fala de uma fantástica batalha onde, aparentemente, São Jorge com hostes celestes ataca os alemães com flechas que depois não são encontradas. É um conto um tanto ou quanto patético.

O RETORNO TRIUNFAL (The great return) – The Faith Press, 1915.

Essa história é muito estranha. O personagem narrador comenta notícias de jornal bizarras e mal explicadas. E se refere aos misteriosos fenômenos de Llantrisant, uma cidade costeira do País de Gales. Uma espécie de avivamento religioso causado por fatores sobrenaturais. Fala de uma seita de “Dissidentes” — assim, com D maiúsculo — e do som de um sino que estaria no Paraíso e sendo ouvido na Terra. O texto não chega a ser esclarecedor, mas o estilo é exemplar. Termina com uma pergunta patética: “Afinal, o que nós sabemos?”

“N” – em “The Cosy Room and Other Stories” – Rich & Cowan Ltd, 1936.

“N” também é uma história em que a sugestão do fantástico ou sobrenatural flui lentamente de um autor que escreve sem pressa. A cidade — no caso Londres — pode esconder alguma glória em geral oculta aos olhos, mas que eventualmente pode ser sentida.

Entra em cena o livro “Caminhando em Londres: meditações nas ruas da Metrópole”, do Reverendo Thomas Hampole (é real?). A Alquimia entra na dança. O citado autor pretende que os alquimistas pretendiam transmutar não só metais, mas todo o Universo — para “restaurar as delícias do Paraíso primordial”. Coisa, aliás, que só Deus pode fazer.

Machen conduz sua narrativa em longos parágrafos, praticamente sem ação, podemos dizer que são contos de especulação.

O ÔMEGA EXALTADO (The exalted Omega) em “The children of the pool and other stories”, Hutchinson & Co. (Publishers) Ltd., 1936.

Assim começa esta narrativa surreal: “Numa noite escura de outono, um homem parou por um momento em sua caminhada para cima e para baixo em sua sala de estar na “Gray’s Inn Square” e olhou, pela janela, para as árvores agitando-se, inquietas, pelas mãos do vento Oeste, com um ar de vaga perplexidade, no qual havia a sugestão de leve desassossego. Era, mais exatamente, o olhar de um homem que se depara com leve dificuldade ou obstáculo em alguns pequenos planos que está elaborando ou na linha do pensamento que está seguindo. Para ser preciso, com J.F. Mansel, o personagem em questão, não era um assunto tão grande assim”.

Machen facilmente cria um clima desde as primeiras linhas, capacidade que falta em personagens modernos e muito comerciais.

Mansel é um homem que vê como que fugir a estrita realidade em sua vida, como que vai se esfumando a noção do que é ou não é real.

É o caso das suas recordações dos encontros com os amigos Tom, Dick e Harry no Café de L’Europe. Ele se recorda, adormece, sonha com os amigos, depois fica em dúvida se os encontros do passado de fato ocorreram e sobre os amigos, “Talvez eles nunca tenham existido”.

A ESTRADA PARA DOVER (The Dover Road) – em “Missing from their homes”, Hutchinson & Co. (Publishers) Ltd. 1937.

História interessantíssima sobre bilocação involuntária, ou como Sir Halliday Stuart aparece num lugar e não sabia disso, pois estava de fato em outro lugar. O Professor Warburton forma uma equipe com outros quatro investigadores visando decifrar os fenômenos tidos como paranormais que ocorriam numa velha mansão em Kent, e Sir Haddilay o visita e se mostra interessado no assunto e desejoso de participar.

Narrativa recomendadíssima, cheia de detalhes minuciosos.

UM FRAGMENTO DE VIDA (A fragment of life), em Horlick’s Magazine, conto serializado, 1904.

História de Edward Darnell, um homem ainda jovem que tinha uma esposa, uma empregada e um emprego, mas de algum modo sua existência prosaica é que seria irreal, e não os seus devaneios. Como diz claramente o texto:

“Assim seguia Darnell, todos os dias, tomando a morte por vida, a loucura por sanidade e fantasmas vagos e errantes por seres reais. Estava sinceramente persuadido de que era um empregado da City que morava em Shepherd’s Bush. E tinha esquecido dos mistérios e esplendores do reino que era seu por herança legítima.”

É uma recorrência em Arthur Machen a idéia perturbadora de que existe uma realidade à nossa volta e além dos sentidos.

AS CRIANÇAS FELIZES (The happy children), em “The Masterpierce Library of short stories” – The Educational Book Co. Ltd., 1920.

Conto curto e extravagante: o personagem sem nome, em fins de 1915, ao investigar em região pouco conhecida das Ilhas Britânicaso boato de uma base alemã (havia uma guerra) esbarra com uma procissão herética de crianças vestidas de branco.

AS CRIANÇAS DA LAGOA (The children of the pool), em “The children of the pool and other stories”, Hitchinson & Co.(Publishers), 1936.

História de sabor psiquiátrico, onde o personagem-narrador Meyrich encontra o amigo James Roberts numa casa de campo e descobre que ele vive apavorado com uma menina desconhecida que aparece para xingá-lo e lembrar coisas do passado envolvendo outras pessoas. O texto é envolvente como os demais de Machen.

AS RECORDAÇÕES DO BARDO (The remembrance of the bard) em “A novelist of ecstasy and sin”, Walter M. Hill, 1918.

Poesia de uma página que encerra o volume, é um hino de amor ao País de Gales, com referências a locais e a personagens antigos da história galesa. Uma pequena preciosidade.

 

Rio de Janeiro, 22 a 24 de setembro de 2022.