QUIABO (Akira Yamasaki) - Poesia
Depois de despontar ainda jovem nas atividades e articulações do lendário Movimento Popular de Arte (MPA), de São Miguel Paulista, no fim da década de 1970; depois de gerir com amigos um circo em 1985, numa das experiências mais exitosas de autogestão cultural na cidade de São Paulo; depois de um hiato de mais de 20 anos sem escrever uma linha sequer, o poeta Akira Yamasaki retornou à cena artística no início deste século. Desde então são centenas de poemas postados em seu blogue e no Facebook, uma atividade febril de produção cultural em diversos projetos que desenvolveu nessas últimas décadas, e três livros lançados.
As obras, porém, não dão conta do tamanho real da produção de Akira. Tampouco essas linhas modestas. Talvez a melhor régua de se medir o poeta seja conviver com ele, vê-lo sendo poesia em cada gesto, sorriso ou palavra. Todavia, seus livros podem ser uma boa introdução a este universo. E se em Bentevi, Itaim e Oliveiras Blues havia uma simetria - ambos os livros trazem títulos que remetem às memórias sutis e escancaradas do bairro onde o poeta mora até hoje - em Quiabo, que acaba de chegar às nossas mãos pela Edições Archangelus, Akira extravasa a compreensão de um voo, aponta caminhos por onde trafega um olhar atento às pessoas e cenas da vida e a propriedade de inverter lógicas.
eu estava meio inseguro / se devia entrar ou não / devido uma lesão mal curada / no posterior da coxa esquerda / o mesmo estiramento / que o romário, quando teve / saiu pulando numa perna só // ainda caí na bobeira / de querer ficar na barreira / numa falta batida pelo paulão / e deu no que deu, atingido / em cheio nos países baixos / o morto faleceu de novo // não tive outra opção / senão fazer número no gol / onde peguei até pensamento / inclusive aquela bola do ghiggia / na copa de cinquenta
Adotando, ampliando e amalgamando diversas figuras de linguagem, sua poesia atinge um estado múltiplo e inexato, onde o lirismo e a ironia andam de mãos dadas.
Outro recurso que o poeta usa com oportunismo é o de dar elasticidade incomum a um desconforto existencial, para depois “dobrá-lo” e redefini-lo através da picardia, do sarcasmo e de um humor não risível.
quando sou feliz / sou só pela metade // aprendi esse truque / com a minha mãe / quando era criança // guardar em estoque / sempre a outra parte / para os dias de dor
Com isso a vida continua em sua dor, agora aliviada pela brisa suave, alento que atenua o peso do mundo sobre as costas.
Ainda é possível observar em Akira Yamasaki outra peculiaridade na elaboração poética: a facilidade de urdir a trama refinada com palavras extraídas do mais comum dos vocabulários.
cheia de não me toques / dona poesia / anda arisca comigo // ela nunca está / não atende o telefone / não responde meus emails // a paixão esfriou / o amor já era / ela se foi com outro (...)
O poeta, assim, nos faz crer ser possível fazer uma roupa de uso diário com seda fina, que degustar champanhe pode ser um rito diário, e que do arroz e feijão diário pode ser feit uma refinada iguaria. Ledo engano. Essa artesania é do domínio de poucos. Nisso, ele é especialista.
Akira se situa entre os grandes poetas vivos que escrevem na língua portuguesa, ainda que advogue sempre uma certa reclusão, um recolhimento calculado, como se fosse possível esconder-se depois de cometer versos carregados de imagens físicas e metafóricas como
(...) ando com muita dificuldade / pela lagoa das capivaras / pela joaquim inácio cardoso / pela lago jagapé // por estas mesmas ruas / antigamente eu apostava / corridas contra o vento / algumas eu venci.
Quiabo traduz a exuberância nascida da sublimação de sensações, observações e sentimentos, cuja faculdade akiriana recebe, processa e entrega infinitas combinações imagéticas, revestidas de combustões improváveis, calor agudo no sobrepesar pessoas, coisas, cenários e até o embate da palavra com outra. Akira não representa nenhuma escola estética ou linguística, sendo ele a escola de si. Sua poesia respira o vento autônomo da liberdade que toda poesia - toda Arte! - pode e deve respirar. quiabo é, ao fim, o reinício da poesia que nos acompanha ao acordar e nos levita até dormir, todos os dias, como se imersos em sonho infinito. Um livro para ser degustado, antropofagicamente, como um manjar. Fartemo-nos!
Serviço:
Livro: Quiabo
Autor: Akira Yamasaki
Ilustrações: Will Sideralman
Revisão: Clarice Yamasaki e Akira Yamasaki
Editora: Archangelus
Ano: 2022 (1ª edição)
Páginas: 190