O romance policial de José de Alencar

O ROMANCE POLICIAL DE JOSÉ DE ALENCAR

Miguel Carqueija

 

Resenha do romance “O tronco do ipê”, de José de Alencar. Edições de Ouro, Rio de Janeiro-RJ, sem data (Editora Tecnoprint Ltda.). Clássicos Brasileiros e Portugueses, código SL-1227. Biografia e introdução de M. Cavalcanti Proença.

 

Este livro é dos melhores de José de Alencar e sua primeira edição, de 1871, foi dividida em dois volumes.

Passada na região campestre do Rio Paraíba do Sul, meados do século 19, gira em torno de Mário, um rapaz de grandes qualidades toldadas por um mistério fatídico, que ama a menina Alice e é por ela amado, sendo amigos de infância. Porém um grande mistério de família se interpôs entre os dois: a morte do pai de Mário, tragado pelo redemoinho existente numa sinistra lagoa.

José Figueira, pai de Mário, deveria herdar os bens de seu pai, o Comendador Figueira, amigo de Joaquim de Freitas, administrador da fazenda. O casamento em segundas núpcias do comendador criou uma cisão entre pai e filho. Um dia em que foi ao Sítio Boqueirão para conversar com o pai, José acabou caindo na lagoa e sendo arrastado pelo redemoinho. Como resultado Mário e sua mãe ficaram sem herança e dependentes do barão que agora era Joaquim de Freitas, pai de Alice.

Mário cresceu revoltado com isso e suspeitando que seu pai havia sido assassinado por razões financeiras.

Há muitos personagens na trama, como o velho preto Benedito, tido como feiticeiro mas uma boa alma, sua esposa Chica, as intrigantes mulheres Dona Julia e Dona Alina, além do ridículo Domingos Pais, agregado na fazenda e que era notável pelo seu azar e falta de jeito. Tentando destrinchar um pato no jantar, acaba fazendo a ave dar um último vôo (morta, é claro) em cima do anfitrião.

É notável o poder descritivo do autor, descrevendo minuciosamente o ambiente natural, o Boqueirão com o redemoinho, os detalhes da fazenda. Quando Alice, de onze anos, levada pela Chica a acreditar na existência da Mãe D’Água, vai tentar avistá-la, acaba enganada pelo próprio reflexo e levada pela voragem do abismo cai no redemoinho, é antológica a sequência em que Mário, ainda que emburrado e mal-humorado, sempre buscando manter distância da menina por supô-la filha do assassino de seu pai, mergulha para salvá-la. A imensa luta de Mário, rapaz de quinze anos, contra as correntes aquáticas, para salvar a garota, é descrita em tons terrificantes, de arrepiar os cabelos.

Afinal a morte de José Figueira foi acidente, suicídio ou crime? Que segredo esconde o velho escravo Benedito?

Romance de época, “O tronco de ipê” apresenta as limitações de então, como a abominável escravidão, da mesma forma como os romances atuais mostram a contra-cultura, abominação do século 21. Desde que entendamos as limitações da época, “O tronco do ipê” é um grande romance com sabor de história policial.

 

Rio de Janeiro, 27 de junho de 2022.