Reflexões Universais de Rossum (com leves spoilers)
Terminei o livro “RUR: Robôs Universais de Rossum” dividido em duas partes, a peça dramática original de Karel Čapek, e a adaptação dela em formato de romance por Rogério Pietro.
Teatro não é muito minha praia, pelo menos em se tratando de material para leitura, mas a peça é interessante. Em compensação, a adaptação dela para romance preservou não só todas as discussões como ficou primorosa. A ponto de facilmente posicionar o livro entre uma das melhores distopias clássicas que já li.
O livro começa com um belo prefácio por Alexander Meireles da Silva, em que ele trata da origem literária e também histórica do conceito de robôs, localizando a obra prefaciada no tempo. Um texto repleto de referências.
Já a apresentação do livro, logo na sequência ao prólogo, escrita por Rogério Pietro, romancista e tradutor envolvido nesta edição, além de retomar pontualmente alguns conceitos do prefácio, localiza a obra no seu contexto histórico e descortina conceitos subliminares presentes já no título da peça de teatro.
Um grato destaque é ver que a obra se localiza numa posição de crítica a tomada e domínio da URSS na Tchecoslováquia, mas sem perder de perspectiva a responsabilidade das próprias pessoas sendo dominadas por autoritários, por estarem nesta situação. O livro promete bons insights.
Logo no primeiro capítulo é interessante como o autor, com maestria, tece o contexto de embate de forças vs verdadeiros interesses. Helena (uma das personagens principais) que se diz defensora da natureza “humana” dos robôs, filha do presidente dos EUA, sabe que a organização que capitania, provavelmente, a escolheu por seu peso político. Também sabe que o apoio que a organização recebe de um Senador dos EUA (que quer dar o poder de voto aos robôs, tornando-os um trampolim e força política para seus interesses) é muito mais do que aparenta, embora deva ser oficialmente considerado como boa vontade desapegada por parte do político.
É isso ou a organização toda cairá em descrédito. O que deixa a personagem numa sinuca, pois se não aceitar tal instrumentalização política da missão pretensamente humanística de sua organização, terá de enfrentar significa redução (na verdade massiva) das capacidades de atuação do grupo.
Assim, já no primeiro capítulo encontramos uma possível e velada crítica a ONGs e a grupos oficialmente defendendo o bem e o belo, enquanto aceitam apoio e serem massa de manobra de forças que não desejam nada que não seja mais poder e controle (ONU/ George Soros/ Fundação Ford e etc, são vocês?).
Inclusive, uma situação similar (em nosso mundo) pode ser vista nas ações do Partido Democrata americano que em sua dita defesa da dignidade dos imigrantes ilegais, na prática, deseja agregar seu potencial eleitoral para anular o peso da população americana geralmente republicana.
Ou como no caso das ONGs ambientalistas que financiadas por grandes instituições e grupos metacapitalistas (grupos, instituições, empresas ou pessoas que enriqueceram por meio do livre mercado e, agora, no topo, pretendem controla-lo para eliminar a concorrência) que enquanto, alegadamente, defendem a natureza, na verdade buscam ativamente criar precedentes legais e narrativas que desqualifiquem a vida humana, ajudam a concentrar poder em instituições internacionais (controladas pelos seus financiadores) e que raptam e atacam as soberanias nacionais. Sem, claro, deixar de colaborar fortemente em sofisticadas estratégias de estrangulamento regulatório do livre mercado sob pretextos ambientalistas que, na prática, impedem nações pobres e/ou em desenvolvimento de escaparem de suas situações de dependência de nações economicamente mais desenvolvidas.
Ou seja, sob a desculpa de salvar a natureza, diversos grupos ajudam no desmonte de soberanias nacionais, reduzem o valor da vida humana e impedem que milhões de pessoas possam alcançar a qualidade de vida presente nas nações sedes destas ONGs e de seus financiadores bilionários. Um ótimo primeiro capítulo que mostra como os heróis do bem e do belo, já há tempos, mostram incrível flexibilidade para serem testas de ferro do que há de pior na política.
Nos capítulos 2 a 4, por sua vez, temos a discussão sutil: o que faz um humano, humano? Seria sua forma de nascimento, a soma das partes ou algo além? Pode um ser com forma, natureza e biologia humanas, por sua forma de concepção, não ser humano? Uma discussão presente em várias obras de ficção científica, como por exemplo na série televisiva “Space Above and Beyond”, uma das primeiras séries de ficção científica militar em que um dos personagens era um humano de proveta, gerado in vitro, nascido já adulto, para uso como soldado. O que, na prática, criava crianças em corpos adultos, enfrentando guerras que são psicologicamente destrutivas para os maduros, quiçá, então, para elas que se não bastasse isso, ainda são tratadas de forma preconceituosa, como humanos de segunda categoria pelos humanos “padrão”.
O que nos leva às estratégias de desumanização de pessoas que, principalmente, na política, ocorrem de forma sistemática. Especialmente sob a égide do "ódio do bem". Ironicamente, o autor destaca o esforço de uma personagem para ver a humanidade intrínseca a um ser, independente de procedimentos técnicos que viabilizaram tais seres, enquanto nós (grande ironia) vivemos tempos em que sob argumentos vagos (e não raro demagógicos) vemos grupos ideológicos e políticos buscando desumanizar pessoas para melhor e mais facilmente massacrá-las (seja no ventre materno, seja na seara política).
Nos últimos capítulos, da adaptação em romance, o livro trouxe de forma pontual três boas discussões:
1 - O que é vida?
Ao tratar dos robôs inconscientes, ainda não despertos na fábrica, mas vivendo através de aparelhos, apenas com funções biológicas básicas, a obra traz a disputa entre Helena e a RuR sobre a humanidade e vida dos robôs, que se intensifica. Há ecos, ainda de posições indefinidas, das tradicionais discussões sobre o que é vida humana, que por sua vez podem ser encontradas nas discussões sobre aborto.
Afinal, um bebê por ser dependente do organismo materno para sobreviver, é gente? E algo está efetivamente vivo se não pode sobreviver sem os aparelhos maternos?
Mas se tal bebê (especialmente sob a visão abortista) não está vivo e nem é gente, devido a sua condição de dependência, o que garante a uma pessoa em coma, sob anestesia total, sob uma cirurgia que demande a substituição de funções por aparelhos, ou numa UTI dependendo de máquinas como respiradores, filtradores e bombeadores de sangue, também não perder seu status de gente e ser vivo. Assim ficando 100% à mercê de quem tiver poder de puxar o plugue de eletricidade da parafernália eletromecânica a garantir a vida biológica do até então humano?
Uma discussão que leva do aborto à eutanásia e que, sem a régua e luz da moralidade cristã, só pode desaguar em uma coisa: genocídio.
2 - O poder da formação no direcionamento do comportamento humano.
Em dado momento de sua visita inicial a fábrica de RuR, a personagem Helena, é exposta a uma cena constrangedora de submissão e animalidade básica por parte de um robô. Recém-desperto das macas em que a vida só era possível por meio de aparelhos, o responsável pelo setor a confronta com a realidade de que o comportamento humano nos robôs é algo programado, fruto de ensino e direcionamento, de forma que uma programação para a animalidade era totalmente possível.
Eis neste trecho um eco da noção de como crianças são como tábulas rasas prontas a serem formatadas. A mentalidade revolucionária, desde os tempos da imposição do ensino obrigatório aos jovens, por Napoleão, sabe que acesso a mentes prontas a serem formatadas é um caminho para o direcionamento. Um dos motivos, a meu ver, para que partidos e grupos ideológicos progressistas sejam tão efusiva e virulentamente contrários ao homescholling, uma prática de educação familiar que sequestra o direito do Estado de sequestrar a atenção de jovens por décadas.
Em RUR um robô pode ser programado para as finalidades de interesse de seu proprietário futuro, não importa quais sejam. E nossas crianças? Sob controle cativo do Estado e de aparelhos educacionais ocupados por pessoas ideologizadas, quanto da formação alinhada com o interesse dos pais realmente se pode contar?
Em RUR, o comprador do robô levará aquilo que pagou e deseja, mas em nosso mundo, jovens são doutrinados para agirem como robôs que se virarão contra seus financiadores e "proprietários" (pais)! E, para muitos, isso é natural e aceitável (!!!).
O Estado ideologicamente aparelhado não apenas escraviza jovens a sua ideologia, como também seus próprios pais aos obrigar a financiar àqueles que irão traí-los.
Uma configuração social perversa e, para muitos, invisível. E que faz os registros históricos amplamente conhecidos de crianças traindo e delatando seus pais na Alemanha Nazista ou em regimes comunistas de toda sorte, algo muito mais compreensível.
3 - O interesse sem escrúpulos.
Numa conversa de bastidores políticos, durante o livro, personagens apoiadores da causa da “humanidade dos robôs” conspiram em como trair aliados políticos, manipular mais e mais massas de eleitores e, também, como instrumentalizar a inocência de robôs para fins eleitorais. Um contexto que lembra de forma descarada a tradicional atuação do partido democrata que na época das primeiras ondas de imigrantes americanas não poupou esforços para tornar essas pessoas recém-chegados seus eleitores. Aliás, essa discussão é apresentada no ótimo filme “Gangues de Nova Iorque”, com um político democrata, literalmente, panfletando junto a um navio recém-chegado.
Atitude de cooptação política, hoje, ativamente fomentada via importação de latinos e estrangeiros (especialmente ilegais) de toda ordem para os tornando massa eleitoral vencer nas urnas os americanos nativos.
O restante da adaptação de Pietro, da obra de Čapek, mantém a mesma qualidade, levando mais à frente a uma humanidade que demagogicamente acaba por armar e preparar os robôs para serem seus próprios destruidores (numa abordagem mais cinzenta em que há uma dupla crítica, tanto a indústria de armas que deseja a venda de seu produto de forma irrestrita, quanto àqueles que baseados na digna defesa do direito a legítima defesa, na verdade o estão instrumentalizando para seus próprios fins).
No fim do romance, a personagem Helena Glory segue o triste destino de todo idiota-útil que promove pensamentos revolucionário, terminado esmagada por aqueles que pretensamente defendia, e sendo o canal de viabilização de uma distopia completamente oposta a utopia humanista que desejava. Num belíssimo eco da máxima/provérbio (neerlandês?) que diz que “o caminho para o inferno está coberto de boas intenções”.
O autor da peça original, Karel Čapek, perseguido por nazistas e comunistas, por ser ativamente antagônico a ambas as ideologias, traz em sua obra belas discussões, que são atualizadas e magistralmente aprofundadas e adaptadas por Rogério Pietro.