Resenha crítica do livro PEQUENO MANUAL ANTIRRACISTA
Na conjuntura atual em nosso país, onde é observável a polarização e a disseminação de preconceitos surge muitas vezes pela errônea compreensão da liberdade de expressão. Nada mais oportuno do que refletir sobre um tema que atormenta a população brasileira, o racismo. Mesmo aquele que irracionalmente alega não ter sofrido tal preconceito necessita de ferramentas que o leve ao entendimento de que o racismo existe e está ligado à formação social do país. É nesse cenário populista, muitas vezes encoberto pela ignorância, que se fazem relevantes os desafios reflexivos propostos por Djamila Ribeiro em seu livro “Pequeno manual antirracista”.
Nascida em Santos — SP, em 1980. Djamila Ribeiro, negra e mestra em filosofia pela Universidade Federal de São Paulo escreveu seu primeiro livro “O que é lugar de fala?” publicado em 2017. Obra que retrata de maneira didática as diferentes esferas do feminismo, sobretudo as questões referentes às mulheres negras. Também escreveu o livro “Quem tem medo do feminismo negro?” publicado em 2018 que visa teorizar o feminismo seguindo a mesma premissa. No entanto, a obra em que abordou especificamente o racismo foi o Pequeno manual antirracista, onde a autora expõe as minúcias do preconceito e conduz o leitor a refletir sobre o assunto tomando como base a realidade atual.
“... Disseram-me que a população negra era passiva e que “aceitou” a escravidão sem resistência. Também me contaram que a princesa Isabel havia sido sua grande redentora. No entanto, essa era a história contada do ponto de vista dos vencedores, como diz Walter Benjamin...”. (RIBEIRO, 2021. p07)
Visando a importância do combate a desigualdade social e de encontrar meios de inclusão, a ideia do livro segundo a autora é “propor ações concretas para estimular o autoconhecimento e a adoção de práticas antirracistas.”. Ribeiro justifica que “a inação contribui para perpetuar a opressão” e questiona “o que cada um de nós está fazendo ativamente para combater o racismo?”.
Para responder à pergunta ela elaborou um pequeno manual antirracista contendo um passo-a-passo expondo de forma clara e até óbvia como devemos agir, refletindo sobre determinadas circunstâncias em que podem configurar o racismo. Ciente de que o conceito de superioridade racial não está necessariamente presente na contemplação de insultos ou atos denotativos. É necessária a observância da problemática na ótica interna e a reflexão sobre o tema. Quando surgiu? E como acontece no dia-a-dia? Tais questionamentos são fundamentais para o combate ao preconceito racial.
A autora utiliza-se de um discurso objetivo que visa não apenas analisar determinados aspectos cotidianos, mas convidar o leitor a observá-los, na prática.
“... Pessoas brancas não costumam pensar sobre o que significa pertencer a esse grupo, pois o debate racial é sempre focado na negritude. A ausência ou a baixa incidência de pessoas negras em espaços de poder não costuma causar incômodo ou surpresa em pessoas brancas....” (RIBEIRO, 2021. p32)
O livro divide suas 135 páginas em 11 capítulos, além da Introdução, Notas e Referências bibliográficas. Cada capítulo constitui como parte de um manual, a incidência do modo verbal no imperativo propõe ao leitor uma sequência lógica a ser seguida. Essa sequência denota a vontade da autora em equilibrar seu discurso de maneira a informar e exigir do leitor autoconhecimento e debate sobre o tema.
Nos primeiros capítulos a autora reflete acerca da necessidade de buscar informações sobre o racismo que segundo ela, está em constante evolução, portanto, é importante compreender o seu funcionamento. Ainda ressalta a importância de se observar a “branquitude” e seus privilégios, para ilustrar essa tese a autora destaca a ausência de pessoas negras ocupando cargos de poder.
Também nos primeiros capítulos, a autora aponta a necessidade de observar primeiramente o racismo presente em cada um de nós, pois só assim, podemos combatê-lo. Embora a ideologia presente no discurso da obra seja destinada a um público específico, tal aspecto se faz pertinente a todas as etnias “... Mas é preciso notar que o racismo é algo tão presente em nossa sociedade que muitas vezes passa despercebido...” (Ribeiro, 2021 p38).
Ribeiro reflete sobre o racismo no Brasil para promover a autorreflexão, trazendo em sua fonte argumentativa experiências e dados que ilustram a noção de racismo estrutural. À medida que pondera sobre diferentes características entre o racismo brasileiro e o americano, ela defende que embora dispares conceitualmente, já que nos Estados Unidos o racismo é mais explícito. Não se pode concluir que o Brasil é isento nesse o assunto. Afirmação que torna a proposta de compreender o racismo relevante, pois é comum a comparação da problemática em relação aos dois países.
Nos capítulos subsequentes a autora discorre suas proposições voltadas ao racismo estrutural, na prática. Alterna seu foco na necessidade de apoio às políticas educacionais alternativas e a concepção de inferioridade racial. Chamando a atenção para o lado individual e acrescenta um tom crítico quando sugere ao leitor questionar a cultura que consome, argumentando que a representatividade do negro nessa área se restringe a estereótipos e caricaturas, principalmente na esfera audiovisual. Citando personagens como Mussum, o “bêbado”, Tião Macalé, o “feio” e Vera verão, a “bicha preta”. É nesse ponto onde a autora dá luz a demais minorias também afetadas pelo privilégio branco.
Em todo o livro Ribeiro busca além de exprimir reflexão, perceber o negro e suas causas, bem como, valorizar os resultados obtidos por meio deste. Destarte, buscando enfaticamente que o leitor identifique os sintomas da patologia social chamada racismo com a finalidade de respeitar as diferenças.
São os paradigmas sociais que alimentam a opressão e nesse caso o silêncio tanto de espectadores, quanto protagonistas mantiveram a engrenagem do racismo funcionando. Porém, a autora faz um contraponto interessante demonstrando para o leitor ações culturais que reverenciam o negro como formador cultural, sua luta eterna e a sua história. A obra tem como público alvo pessoas que não se identificam com práticas preconceituosas em qualquer instância.