O começo da garota fofoqueira

O COMEÇO DA GAROTA FOFOQUEIRA

Miguel Carqueija

 

Resenha do romance “As delícias da fofoca”, por Cecily von Ziegesar, volume 1 da série “Gossip girl” (garota fofoqueira). Editora Record, Rio de Janeiro-RJ, 8ª edição, 2008. Título original em inglês: “Gossip girl”, 17ª Street Productions, EUA, 2002. Tradução: Ryta Vinagre.

 

Desconfio que o título “As delícias da fofoca” foi inventado no Brasil, já que não consta no volume o título original, a não ser mesmo o da série. Provavelmente só a partir do tomo 2 cada número passou a ter titulação específica.

Eu adquiri as duas primeiras temporadas e gostei mas só assisti até o episódio 8, pois o disco trazendo 9 a 12 estava rachado. Há bastante diferença entre livros e filmes. Primeiramente, a garota fofoqueira refere-se a todo mundo em seu blog misterioso só com as iniciais, na série de tv ela dá os nomes, o que é muito mais lógico. Além disso o filme é bem melhor, pois modera a vulgaridade dos personagens, não se fala tanta besteira e Serena, a personagem principal, é mais simpática e densa. Mesmo Blair, sua amiga-inimiga, é mais palatável.

Apesar dos pesares a autora Cecily von Ziegesar é melhor, mais verossímil, que por exemplo o Sidney Sheldon, cujo universo é raso, vulgar e cético.

Autores de romances sociais, como Graciliano Ramos, mergulham no mundo da pobreza e da penúria. Já “Gossip girl” focaliza o mundo da riqueza esbanjadora e esnobe, com todos os seus vícios — inclusive da droga e da bebida alcoólica. E do sexo casual. Já se vê que, embora considerado juvenil, o romance tem cenas fortes, embora felizmente não vá até as descrições lascivas de diversões sexuais.

A história gira em torno de Serena van der Woodsen, 17 anos, de uma rica família novaiorquina, e do mistério que cerca o ano que ela passou estudando fora e de porque retornou; e sua amiga-inimiga Blair Waldorf. Tinham sido grandes amigas e Serena era a grande estrela adolescente do colégio e da turma de amigos — mas ao retornar esbarra com a frieza de Blair, que arrasta outras pessoas no gelo contra Serena. E a misteriosa “garota fofoqueira” — a “garota do blog” no título tolo colocado na tradução brasileira da série de tv — é onisciente e vai colocando notícias, ou melhor, futricas sobre o que vai rolando nesse mundo de adolescentes endinheirados.

O isolamento de Serena ao retornar — ela chega a se perguntar “O que eu fiz?” — é injusto e intrigas caluniosas correm contra ela, que embora não seja uma santa também não é uma pervertida. Tanto que quando ela e Don salvam a irmã deste, Jenny, encurralada pelo cafajeste Chuck no banheiro das meninas, este joga contra ela as acusações que pesam sobre suas atividades no tempo em que esteve ausente:

“Você foi expulsa do internato porque é uma puta pervertida que deixou marcas na parede acima da cama do seu quarto para cada cara que pegou. Você tem doença venérea. Você é viciada em todo tipo de drogas e fugiu da reabilitação, e agora está traficando os seus próprios trecos. Você era membro de alguma seita que matava galinhas. Você tem uma porra de um filho na França.”

A todas essas infâmias Serena responde com ironia:

“Caramba. Eu andei bem ocupada.”

Realmente eu não gosto do palavreado no livro e, justiça seja feita, no seriado as cruezas foram suavizadas. A sequência do salvamento de Jenny é sensacional no episódio de tv, bem melhor que no romance.

Um outro personagem importante é o Nate, namorado de Blair e verdadeira razão da raiva desta contra Serena: porque Nate e Serena haviam copulado antes da viagem da garota, numa hora de intimidade, e Blair só ficou sabendo bem depois, numa desastrada confissão de Nate. Numa sociedade permissiva, onde os próprios pais são fátuos e materialistas, é difícil condenar os dois por não terem se controlado: faltava formação.

Em suma, a série focaliza jovens ricos, de baixa estrutura moral, tendendo à irresponsabilidade, e segundo a orelha do livro, “iremos conhecer o universo quase secreto dos alunos de tradicionais escolas particulares para meninas e meninos, onde nem mesmo os horríveis uniformes conseguem esconder a beleza desses afortunados. Todos moram nos endereços mais caros da cidade, em apartamentos suntuosos com vista para o Central Park”.

Afinal, um retrato da natureza humana contaminada pelo dinheiro e pelo luxo.

 

Rio de Janeiro, 7 de maio de 2022.