Carrie
Que as consequências da maldade humana podem resultar em grandes tragédias nós já pudemos observar ao longo da história da humanidade, e ainda podemos presenciar atualmente. Se o veneno humano tiver como alvo alguém com grandes poderes então, é certo que a reação será catastrófica.
É nesse contexto que temos a trama do livro Carrie, de Stephen King, obra primogênita do autor e que se tornou um clássico moderno, tanto pela sagacidade quanto pela maneira exploratória que King faz acerca da natureza humana, nesse caso envolvendo o sobrenatural e o terror manifestos.
Carrie é uma garota educada por uma mãe extremamente religiosa, que priva a filha de conhecimentos básicos até do próprio corpo, temendo sempre o pecado que pode estar escondido até mesmo em sutiãs. Essa criação vira um estigma que leva Carrie a sofrer perseguição, desprezo e indiferença por parte de seus colegas na escola. No entanto, Carrie carrega um poder incomensurável, do qual a ciência não dispõe muito de conhecimento à época: o poder de mover qualquer coisa com a mente.
Esse poder, nas mãos de uma jovem que é saco de pancadas desde que consegue se lembrar, claramente estaria fora de controle, esperando apenas a cereja do bolo para que entrasse em erupção. Na infância, Carrie já havia demonstrado seu poder sob situações de estresse, mas apenas sua mãe sabia do que ela era capaz. As demais pessoas viriam a saber mais tarde.
É perceptível o quanto o King amadureceu sua escrita desde Carrie, eu que já li alguns outros antes deste pude notar o quanto a preocupação com detalhes e o desenvolvimento lento não estão presentes em Carrie, o que de certa forma é bom. O autor mistura a narrativa com alguns pontos de vista sobre telecinese, entrevistas, recortes de jornal, dando uma atmosfera mais real ao enredo, tentando aproximar mais o leitor de um caso terrível de reação ao bullying.
Eu particularmente não me conectei tanto à personagem, embora tenha sentido a tensão crescendo em torno dela à medida que a história se encaminhava para o desfecho, e em alguns momentos marcantes a gente torce para que ela consiga sair dessa situação e viva feliz. King pontua bem os acontecimentos, com menos história e mais cenas encapsuladas, cada momento um fio atado a outro. Os personagens expressam sentimentos diversos, mas não muito longe do previsível.
O que me chamou atenção mesmo foi a busca pela explicação do que aconteceu na Noite do Baile. Terá sido a mãe de Carrie, com todo o seu fanatismo religioso, a moldar uma jovem tão carregada de culpa e isolada da sociedade? Foram os colegas que a perseguiam e a insultavam em vez de acolherem e buscarem sua amizade? Foi a comiseração que deveria ter dado a Carrie uma noite que abriria as portas para a sociabilidade, mas que na verdade trouxe a vergonha e o vexame?
É difícil saber ou entender, mas isso levanta uma grande reflexão atemporal e acho que isso torna Carrie tão necessário quanto qualquer outro livro mais elaborado do autor. Que bom que o SK não desistiu de Carrie e hoje podemos apreciar essa obra maravilhosa!