O faroeste terrorífico de Robert Howard
O FAROESTE TERRORÍFICO DE ROBERT HOWARD
Miguel Carqueija
Resenha da coletânea “Weird Western” (horror e fantasia no Velho Oeste) volume 1, por Robert E. Howard. Editora Clock Tower, 2021. Tradução: Daniel Iturvides Dutra. Ilustrações: Giovanni Luengo e Leander Moura. Capa: Ed Carl Evans. Projeto gráfico da capa: Pedro H.S. De Andrade. Introdução: Daniel I. Dutra. Artigo “Weird Western em Tex, Zagor e Mágico Vento”, por Edgar Indalecio Smaniotto. No apêndice o artigo “Em memória: Robert Ervin Howard”, por H.P. Lovecraft.
Esta nova coletânea da Editora Clock Tower (=relógio da torre), que vem editando obras substanciais de grandes autores de histórias fantásticas, focaliza o norte-americano Robert Howard, conhecido pelos seus personagens épicos Conan e Kull. Howard morreu muito cedo, em 1936, por suicídio — e tinha apenas 30 anos.
Por que certos escritores se suicidam (como Florbela Espanca e Walter M. Miller Junior) quando deveriam, por uma visão mais larga da vida, ser imunes a isso? É só uma pergunta, sigamos avante.
Este volume focaliza contos de “weird western”, isto é, faroeste estranho, aquele que penetra em detalhes fantásticos ou de terror. A capa, bem ilustrativa, mostra esqueletos vestidos e disparando com armas de fogo.
O HORROR DA COLINA (The horror from the mound”, revista Weird Tales, maio de 1932). História de vampiros em pleno Oeste norte-americano. O protagonista, Steve Brill, é um vaqueiro que fica intrigado com a superstição do mexicano Juan Lopez em relação a uma colina. Cético e interessado em tesouros ocultos, Steve irá investigar desprezando o aspecto sobrenatural das lendas. O diferencial dessa narrativa é que dessa vez o ser humano consegue de alguma forma lutar com o vampiro.
O VALE DOS PERDIDOS (The valley of the lost” ou “Secret of the lost valley”: Startlirny Mystery Story, 1967). Índios norte-americanos, com suas inúmeras nações, possuem suas lendas misteriosas. A história que Howard conta é uma dessas que falam em realidades ocultas nos subterrâneos de Terra, como se constituíssem um outro mundo e cheio de horrores. Também Lovecraft tem narrações nessa linha.
Entretanto, Robert Howard segue uma linha mais violenta, aqui retratando o terrível ambiente do faroeste.
O texano John Reynolds foge dos McCrill e aliados que o perseguem — um capítulo de uma longa guerra repleta de ódio entre os Reynolds e os McCrill. Na fuga John chega a um estranho vale e se aprofunda numa caverna, onde acaba entrando em contato com uma raça antiga, maligna e telepata, que no passado remoto habitara uma cidade fantástica na superfície mas havia sido derrotada por um ataque maciço dos antepassados dos toltecas. A raça antiga migrou para os subterrâneos tornando-se cada vez menos humana. Eram adoradores de um ídolo-serpente.
A existência de raças malignas é um lugar-comum de H.P. Lovecraft e Robert Howard, que com ele manteve intensa correspondência, aproximando-se muito do seu estilo.
O CORAÇÃO DO VELHO GARFIELD (Old Garfield’s heart”, Weird Tales, dezembro de 1933). Howard recorre aqui a uma pajelança, que um índio misterioso faz em Jim Garfield quando o mesmo sofre um sério ferimento a lança durante uma batalha com os comanches. Apesar do ceticismo do Dr. Blaine, Garfield insiste em que o Homem Fantasma (o índio) colocou em seu peito o coração de um “deus” da crença deles; e quando o branco morresse esse “deus” viria buscar de volta o coração. E com base nisso Garfield pôde viver décadas sem aparentemente envelhecer.
Poderes e conhecimentos ocultos em povos primitivos e não-tecnológicos — isso se vê também na série futurista “Cowboy Bebop”.
O HOMEM NO CHÃO (“The man on the ground”, Weird Tales, julho de 1933). Outro episódio da guerra entre os Reynolds e os Brill. É notório que existe pouco amor e muito ódio nesses contos, ainda que exista um contexto literário que explique. Vejam esse trecho que refere o pensamento de Cal Reynolds: “Pela desordem de seu cérebro ardia seu ódio por Esau Brill. Havia se tornado mais do que uma emoção: era uma obsessão, um íncubo monstruoso. Quando ele se encolheu com o estalo do rifle de Brill, não foi por medo da morte, mas porque a idéia de morrer nas mãos de seu inimigo, era um horror intolerável que fez seu cérebro tremer com frenesi vermelho”.
O ódio é sempre um sentimento negativo, o lado escuro da humanidade.
OS MORTOS LEMBRAM (“The dead remember”, Argosy, agosto de 1936). Um pistoleiro racista se desentende com um preto e sua esposa parda e mata os dois, mas é perseguido pela maldição da mulher, chamada Jezebel (sic); o texto inclui os depoimentos de várias pessoas sobre a morte do personagem. Pelo menos, ele colheu o que plantou.
PELO AMOR DE BARBARA ALLEN (“For the love of Barbara Allen”, Magazine of Fantasy & Science Fiction, agosto de 1966). História realmente bizarra além de triste sobre uma mulher agonizante, um reencontro e um paradoxo temporal com regressão mental.
O CAVALEIRO DO TROVÃO (“The thunder-rider”, Masters of Valhala, Donald M. Grant, 1972). Esse conto, tido como inacabado, fala na reencarnação de um antigo guerreiro comanche e sua regressão ao passado esquecido, suas aventuras ancestrais como o Coração de Ferro. É uma narrativa que pode ser considerada machista.
A SOMBRA DA BESTA (“The shadow of the beast”, George T. Hamilton, 1977). O narrador do conto é um jovem grande, forte e corajoso, típico “cowboy” do Oeste, incomodado porque a sua noiva foi ameaçada por um sujeito que também atirou no irmão dela. O protagonista-narrador decide então participar da caça a Joe Cagle. Ao perguntar a um sujeito se já haviam encontrado o fugitivo, recebeu uma estranha resposta. Não, ainda não tinham encontrado, “procuramos nas florestas à volta, tudo exceto a Casa Deserta, é claro”. Não sabendo de tal casa e sendo um espírito prático, o narrador indagou: “Por que não lá? E onde é essa casa?”
Afinal, não acreditando em fantasmas ou em casas mal-assombradas — “Quase todo lugar no sul tem sua casa assombrada” — ele resolve procurar justamente lá.
É uma história de horror contada com grande habilidade.
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Segue-se um apêndice onde, primeiramente, Howard assina o artigo “O estranho caso de Josiah Wilburger” (“The strange case of Josiah Wilburger” ou “Apparition of Josiah Wilburger” — The West, setembro de 1967) onde conta um fenômeno paranormal, em que uma mulher sonha com um homem quase moribundo, escalpelado e abandonado pelos índios comanches, e seu aviso faz com que ele seja salvo da morte. O caso é tido como verídico.
Em seguida temos “O conto clássico do Sudoeste” (“The classic tale of the South-West”), de uma longa carta do autor a August Derleth, em janeiro de 1933. Fala sobre brancos que foram criados por índios. É uma pena que tantas guerras tenham acompanhado as muitas tribos — guerras entre eles próprios e com os brancos.
“A terra sombria” (“The grim land”: “The grim land and others”, Stygian Isle Press, 1976) é um poema fantasmagórico sobre as vastidões áridas do Oeste.
Finalmente, “Em memória: Robert Ervin Howard” (“In memorian: Robert Ervin Howard”, Fantasy Magazine, setembro de 1936) é um artigo de H.P. Lovecraft homenageando seu amigo morto tragicamente, por suicídio. Depois de comentar criações famosas como Kull e Conan, Lovecraft observa: “O caráter e as realizações do Senhor Howard eram totalmente únicos”.
E Lovecraft entendia sobre a força de um texto ficcional.
Rio de Janeiro, 2 a 12 de novembro de 2021.