Mais um livro que eu não consegui ler

MAIS UM LIVRO QUE EU NÃO CONSEGUI LER

Miguel Carqueija

 

“Morte súbita”, romance de J.K. Rowling. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro-RJ, 2012. Título original inglês: “The casual vacancy”. Little Brown, Reino Unido, 2012. Tradução: Izabel Aleixo e Maria Helena Rouanet.

 

Não esperava isso de J.K. Rowling, Johanna Rowling, a criadora de Harry Potter e tida como romancista conservadora!

Este seu livro adulto tem 500 páginas mas parei na 30, tamanha a quantidade de baixarias que faz lembrar autores como Stephen King e Thomas Harris.

Vivemos numa era em que a literatura de ficção — contos, novelas e romances — alimenta-se do que é negativo, chulo e sórdido, verdadeiro culto ao cinismo e à violência. Rowling criou um universo infanto-juvenil — o de Harry Potter — que apesar de certos problemas (como tudo se resolver pela bruxaria) possui valores como amizade, lealdade, coragem e dever. Mas nada encontrei desta Rowling em “Morte súbita”, história passada num local pequeno chamado Pagford a partir da morte de um cidadão eminente, Barry Fairbrother.

Mas o que pensar de uma história que a cada página apresenta detalhes sórdidos contados com requinte?

“A vida é assim”, dirá alguém. Alto lá. Dostoievski e Edgar Allan Poe mergulharam fundo na miséria e na crueldade humanas porém seus textos são elegantes e não repugnantes. A ficção cínica dos nossos dias se compraz na baixaria e pinta ambientes onde não há uma pessoa nobre. Prevalece a idéia preconceituosa de que todo o ser humano é moralmente baixo. Francamente, faz mal ao espírito ler certas obras.

A partir da página 16 a leitura vai se tornando insuportável, começando pelo adolescente Andrew e seu sentimento em relação ao próprio pai: “E Andrew continuou a comer o seu cereal, morrendo de ódio”.

Na página 17: “Seu babaca pretensioso, disse ele, xingando o pai alto e bom som dentro da própria cabeça”.

Na página 18 é a vez do pai, Simon: “Não vou ficar financiando o vício desse babaca! Que cara de pau, porra! Fumando lá na merda do meu galpão!”

Página 23: “Andrew se deu ao luxo de criar toda uma fantasia em que seu pai caía morto, atingido pelos disparos de um atirador invisível”.

Pg. 24: “Radiante, Andrew ficou olhando para o vidro sujo da janela e ajeitou a mochila no colo para esconder a ereção...”

Pg. 25: “Andrew voltou a olhar o vidro sujo da janela sentindo uma dor no coração e no saco”.

Mas não pensem que é tudo com esse tal de Andrew, outros personagens entram na dança, como a Krystal (pg. 30):

“... Rob Calder e Mark Richard estavam se revezando para segurar e apertar os seios da garota.”

Esse é o nível deprimente do romance.

 

Rio de Janeiro, 16 de março de 2022.