A História do Cerco de Lisboa - Saramago


                 O Cerco à cidade de Lisboa começou em 1º de julho de 1147 e culminou em 25 de outubro do mesmo ano. Fez parte do processo de reconquista cristã da Península Ibérica (Portugal e Espanha) ocupada pelos mouros. As forças do rei  D. Afonso Henriques receberam o apoio dos Cruzados, que compunham a 2ª Cruzada, de passagem para a Terra Santa. As forças portuguesas avançaram por terra e as dos Cruzados, por mar. Reuniram-se na foz do Rio Tejo. Após  combates violentos os cristãos dominaram as  regiões leste e oeste da colina onde se levantava a cidade e impuseram então o famoso cerco, origem de tantos histórias e lendas.Os mouros porém defenderam com afinco a cidade que haviam conquistado e dominado havia muitos anos. Semanas se passaram com os sitiantes lançando toda a série de projéteis sobre a cidade que continuava inexpugnpavel. O número de feridos, de ambos os lados, continuava a aumentar.  Só no final de outubro do mesmo ano, os mouros, enfraquecidos pelo cerco que lhes trouxera mortes, doenças e fome capitularam e Lisboa voltou ao domínio dos cristãos. 

           Em 1987, José Saramago, considerado como o maior autor português da atualidade, sua grandeza sendo comparada inclusive a de Camões, Prêmio Nobel da Literatura, glória que o bardo cego não teve a oportunidade de conquistar, porque na sua época Alfred Nobel nem havia nascido, quanto mais morrido, para deixar sua herança  para a formação dessa ainda inigualável honraria, como eu estava discorrendo e entrei por outros caminhos, também necessários para explicar este texto, pois bem, o bom Saramago publicou o livro A História do Cerco de Lisboa. 

            O romance escrito por Saramago, parte de um ponto que nos leva a imaginar: como sairá disso uma história, mais que uma simples história, uma obra prima da língua portuguesa? Raimundo Silva, revisor de livros, enfastiado com sua vida monótona, está revisando um livro denominado A História do Cerco de Lisboa. Então, toma uma decisão voluntária de cometer um erro: coloca em um determinada frase, que afirmava que os cruzados ajudaram os portugueses a cercar Lisboa, como vocês viram ser verdadeiro, no início desta resenha, quando recapitulei este episódio da História de Portugal, bem, o tal do Raimundo escreve NÃO. Não, os Cruzados não ajudaram os portugueses a sitiar Lisboa. A confusão estava armada. Como toda a causa tem consequência e isto é óbvio, a partir daí a vida de Raimundo Silva vai mudar completamente e mudanças também vão ocorrer na administração da Editora para a qual trabalha. Uma nova editora se torna responsável pela fiscalização dos trabalhos dos revisores: Maria Sara, com o qual vai viver um romance da maturidade e que o instiga a se tornar escritor através de um desafio: escrever uma nova história do cerco de Lisboa condizente com o erro que cometeu. Os cruzados NÃO ajudaram os portugueses a cercar a cidade de Lisboa, que mais tarde se tornaria a capital do país. Saramago então desenvolve duas histórias intertextuais: a História de Raimundo que se apaixona por Maria Sara e a História que Raimundo  é desafiado a escrever, instigado por Maria Sara. 

       Saramago escreve como ninguém, com isso dizendo que imitá-lo é impossível. Longos parágrafos, ausência de pontuação, diálogos que se tornam reconhecíveis apenas através da grande atenção do leitor. Você vai lendo e de repente  não consegue mais definir quem está dizendo o que, então é obrigado a sair de seu torpor e voltar ao ponto de partida para ler tudo novamente com atenção redobrada. Perde-se completamente o fio da meada, o leitor, não o escritor, porque este tem um domínio da escrita certamente invejável. Apesar dessas dificuldades que aponto, duvido que alguém desista de continuar a leitura. São cenas extremamente bem construídas, emoções aparentemente simples e superficiais destrinchadas até o âmago. Vale a pena ler, recomendo. Aprender com Saramago tornará mais profundos nossos conhecimentos sobre a arte de escrever e de compreender o sentimento humano.


( Quadro de Joaquim Rodrigues Braga, sobre a rendição dos mouros a D. Afonso Henriques, pintado por Joaquim Rodrigues Braga, acervo do Museu Nacional de Soares dos Reis, Porto, Portugal) 

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