Cujo/Cão Raivoso

Até por influência da boa adaptação assinada pelo cineasta Lewis Teague em 1984, três anos após o lançamento do romance, muitas pessoas ainda pensam que a narrativa de Cujo se resume a uma história de superação, protagonizada por uma mulher e seu filho, confinados dentro de um carro quebrado, como sardinhas enlatadas diante de um calor descomunal, mas, por outro lado, o amontoado de lata servia de armadura para se protegerem da ira do imenso arquétipo monstruoso, um antes dócil cão São Bernardo que sucumbira a hidrofobia após ser picado por um morcego contaminado.

Cujo é uma daquelas obras ciumentas, exige atenção exclusiva, anseia ser devorada de uma única vez. E é realmente difícil empreender fuga dessa história ambientada em Castle Rock, quando a cidade ainda se esforçava para tentar superar o terror imposto pelo calculista assassino Frank Dodd, em eventos ocorridos no livro A Zona Morta. Enquanto suas famigeradas ações vêm sendo relegadas a condição de lenda urbana, o contumaz assassino parece ter encontrado morada definitiva no closet do pequeno Tad Trenton, assombrando todas as noites os sonhos do garoto. Ao mesmo tempo, um São Bernardo de noventa quilos, é mordido por um morcego raivoso após perseguir um coelho dentro de um buraco. Quando os caminhos se cruzam, o pior pesadelo de Tad começa a se tornar concreto, incorporado pelo sorrateiro animal.

Em Cujo, Stephen King abusa da capacidade de incitar emoções, administrando perfeitas doses de terror, alvejando o psicológico. Outro ponto magistral é a forma como as figuras dramáticas são desenvolvidas de maneira verossímil, preterindo concepções rasas para dar vasão à suas agruras, abordando desde sonhos a insucessos, insegurança, desejo de mudança. Até o pobre Cujo não fica alheio aos atentos olhos do narrador. A trama não resume o cão raivoso à vilania, trazendo à tona os pensamentos caninos, com sua determinação arrefecendo diante do avanço da hidrofobia.

O livro chega ao fim trazendo certa saudade de Castle Rock. Cujo reservou muitos bons momentos e até merece um afago, mas com cuidado! O doce São Bernardo pode deixar marcas incuráveis. 

Rafinha Heleno
Enviado por Rafinha Heleno em 16/02/2022
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