Quatro Estações
“O importante é a história, e não o narrador”.
Quando se falava em Quatro Estações, de imediato minha mente remetia ao ótimo disco lançado pela Legião Urbana, no final da década de 80. Após tantos anos, quando ouvir menção às divisões climáticas, além do bem-sucedido álbum da banda liderada pelo saudoso Renato Russo, seguramente irei rememorar também os quatro meritosos contos (ou novelas) publicados por Stephen King na antologia de mesmo nome, nos primeiros anos da década de 80.
Quatro Estações, sumariamente, estampa uma realidade: embora inegavelmente se trate de um mestre do gênero, as cartas alçadas à mesa não se limitam a explorar o terror, muito embora seus elementos não hesitem em roubar a cena durante passagem de todos os quatro contos (o último conto até creditaria como terror).
A novela escolhida para abrir a coletânea foi A Primavera Eterna – Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank. Mais de dez anos depois, o enredo foi explorado em uma das melhores adaptações do universo de King para o cinema, no filme “Um Sonho de Liberdade”, dirigido por Frank Darabont e estrelado por Morgan Freeman e Tim Robbins. A narrativa pode ser considerada como um pano de fundo para tratar de questões como superação e tenacidade. A cada dia elas são desenvolvidas pelo banqueiro Andy Dufresne, injustamente encarcerado pelo assassinato da esposa infiel. Os dramas do bom homem são narrados por Red, um detento com a expertise de conseguir praticamente arranjar qualquer coisa dentro do presídio.
A despeito de figurar como, pelo menos até agora, o único escrito do autor o qual nutro predileção pela obra fílmica, “Rita Hayworth e a Redenção de Shawshank” passa ao largo de despontar como decepcionante, chegando a impressionar a invulgar precisão com que King consegue “construir” o ambiente carcerário, esmiuçando a rotina dos detentos e até explorando peculiaridades, como a conturbada relação com direção da unidade e agentes de segurança.
O conto mais longo do livro é Verão da Corrupção – Aluno Inteligente, explorando especialmente a Segunda Guerra Mundial, abrindo margem para abordar o nazismo, métodos de tortura e campos de concentração. O texto apresenta o leitor ao adolescente Todd, um jovem perspicaz, verdadeiro entusiasta de histórias dessa espécie. Por meio de um invejável poder de observação, descobre que um vizinho muito reservado possui um segredo: é na verdade um dos ex-comandantes que dedicaram a vida às causas defendidas por Hitler.
O garoto passa então a operar um estranho jogo psicológico, recorrendo à chantagem para forçar Dussander, verdadeiro nome do ex-oficial, a narrar com riqueza de detalhes as mortes consequentes do nazismo, e com esse cenário o autor explora a natureza mais maquiavélica do homem. O cineasta Bryan Singer assinou, em 1998, a adaptação” O Aprendiz”. Apesar da fulcral soma de esforços, não conseguiu momento algum tecer para as telas a face intrinsicamente obscura do texto.
Outono da Inocência – O Corpo era o texto que mais arremetia meu lado Leitor Fiel, afinal rendeu o excelente “Conta Comigo”, de Rob Reiner, em 1986, clássico que sem esforço figura entre meus dez filmes favoritos. A espera preencheu a estimativa, afinal, foi o conto que mais me cativou entre os quatro escritos. A emocionante trama, abordando principalmente a amizade, a maioria conhece: impelidos pela forte curiosidade de encontrar um rapaz desaparecido e possivelmente morto, quatro amigos passam a jornadear, sem saber que a aventura seria marcada por muitos percalços.
Se a história não é necessariamente uma mostra de inventabilidade, recorre às idiossincrasias como cabedal, sendo uma obra introspectiva, estampando como os laços de amizades são formados e tornam-se concretos a ponto de ser impossível desatá-los. Uma das habilidades irrefutáveis de Stephen King é sua capacidade de construir figuras dramáticas infantis, dando ênfase as suas agruras.
Por fim, é hora de discorrer sobre Inverno no Clube – O Método Respiratório. Essa tende a despontar como história a qual a maioria deverá torcer um pouco o nariz, apesar da pegada mais “terror” em relação às anteriores, com direito até a um intrigante suspense sobrenatural. A narrativa convida o ledor a visitar um misterioso clube frequentado por empresários e veteranos, reunidos para conversar, sorver um bom drink, ou contar histórias macabras, sendo a mais assustadora delas reservada para a véspera do natal, com direitos a narrativas sangrentas e repletas de bizarrices.
Quatro Estações conta “apenas” com quatro contos, mas repletos de passagens marcantes e capazes de evocar as perspectivas mais distintas. Nunca é tarde para se ater a ler, buscando decifrar no ápice de cada novela, qual realmente estará destinada a ser sua estação favorita do ano.