Os contos de terror de Robert Louis Stevenson

OS CONTOS DE TERROR DE ROBERT LOUIS STEVENSON
Miguel Carqueija


Resenha do livro “O ladrão de cadáveres”, de Robert Louis Stevenson. Newton Compton Brasil Ltda., Rio de Janeiro-RJ, 1996. Tradução: Cristina Amorim. Desenho de capa: Alessandro Conti. Imagem: “A ilha dos mortos”, de Arnold Böklin (1880). Introdução: Riccardo Reim. Clássicos Economia Newton, 6.

Mini-coletânea de contos de Robert Louis Stevenson, que nasceu em Edimburgo, na Escócia, em 1850, e faleceu jovem nas Ilhas Samoa, em 1894. Juntamente com Edgar Allan Poe, Mary Shelley, Arthur Machen, Algenor Blackwood, H.P. Lovecraft, Robert Howard, é um dos mais importantes autores do gênero terror, tendo escrito nesse campo, por exemplo, o grande clássico em conto “Markhein” e o romance “O estranho caso do Dr. Jekyll e Mr. Hide” (ou “O médico e o monstro”).
Neste livro aqui analisado temos três contos.


O LADRÃO DE CADÁVERES

Estranhíssima história sobre os subterrâneos da dissecação de cadáveres em aulas de anatomia, Fala do relacionamento entre certo Fettes e o Dr. Toddy Macfarlane, que trabalhavam juntos em dissecações, mesmo sabendo que alguns corpos fornecidos eram de pessoas assassinadas, e os fornecedores recebiam por entregar tais “mercadorias”. Fettes apara alguns incômodos de consciência, levado pela conveniência de manter sua posição de estudante de Medicina e pelo medo de ser co-responsabilizado pelos crimes, aceita as idéias torpes de Macfarlane e torna-se alegremente conivente.
A história chegará ao seu clímax quando os dois, para compensar a escassez de corpos, vão roubar um no cemitério — e algo inesperado e terrível acontece.

JANET, A ALEIJADA

Stevenson, também muito conhecido por seus romances de aventuras, possui um estilo clássico, nobre e detalhista, que não deixa pontos obscuros, a não ser, é claro, quando toca em mistérios sobrenaturais. Como um autor de histórias de pavor, segue a linha do clima evitando a violência explícita e reduz os diálogos ao mínimo, trabalhando com extensos parágrafos repletos de informações.
Aqui se conta a tenebrosa história do Reverendo Murdoch Soulis (anglicano) da paróquia de Balweary, “no urzal do vale do rio Dule”, e como ele viveu a sua velhice isolado no presbitério, e o que havia acontecido em sua juventude. O pastor acolhera em sua casa uma mulher de sinistra reputação e odiada na comunidade, Janet, cuja fama de bruxa levara um grupo de mulheres a tentar jogá-la no rio. O reverendo a salvara e a tornara sua governante.
O pastor confiava na regeneração das pessoas e fez a velha jurar diante do grupo de linchamento que renunciava ao diabo. Vejam este trecho que dá uma idéia do clima da história, logo após o mencionado incidente:
“Muitos foram os que passaram a noite a rezar, e ao amanhecer do dia seguinte um tal temor abateu-se sobre Balweary que as crianças correram para se esconderem e até os homens ficaram calados a espiar atrás das portas. Porque Janet vinha descendo pela aldeia — ela ou o seu fantasma, ninguém poderia afirmar — com o pescoço retorcido e a cabeça virada para o lado como a de um enforcado, com uma expressão no rosto que a fazia parecer um cadáver ainda não decomposto.” Na verdade no exemplar está “recomposto”, mas com certeza é erro tipográfico.
Bem, a progressão da história, como se pode adivinhar, caminha para um final trágico e com aspecto sobrenatural, ainda que a rigor permaneça o mistério em torno da personagem Janet. Histórias de terror não costumam esclarecer tudo.


OS ALEGRES HOMENS
Este longo conto de terror é contado na primeira pessoa pelo sobrinho de Gordon Darnaway, um velho maníaco e desonesto que mora em Aros, uma fazenda insular a oeste da costa escocesa. Gordon era pai de Mary Ellen e com eles vivia o velho criado, Rorie.
Enamorado pela prima (coisa comum naquela época; hoje não se recomenda a união consanguínea), o protagonista-narrador frequenta aquela residência de fim-de-mundo, mas suas intenções românticas são atrapalhadas pelos acontecimentos que são agravados pela neurastenia e superstição do velho. De fato as correntes e redemoinhos da costa, que ainda por cima produzem um som assustador — os tais “alegres homens” do título — determinam o clima de horror da história.
As descrições de Stevenson são fascinantes, misteriosas e vão aos poucos criando a atmosfera sinistra do conto: “A verdade é que, com o vento sudeste, aquela parte do arquipélago é uma verdadeira armadilha. Se uma embarcação conseguisse superar os rochedos e resistir aos “Alegres Homens”, aportaria sobre a costa meridional de Aros, em Sandag Bay, onde tantas coisas tristes aconteceram com a nossa família, como me proponho a contar”.
A narração vai passando a idéia de que existe algo nefasto, maligno, naquele mar, ao mesmo tempo que a personalidade psicótica de Gordon vai se revelando, afinal ficamos sabendo que ele é um saqueador de despojos de naufrágios e que caminha para a loucura.
As descrições que o protagonista faz dos fenômenos naturais é impressionante e tem alguma coisa de Poe: “No céu a mudança era ainda mais notável. Havia começado a levanta-se, a sudeste, uma imensa e compacta massa de nuvens ameaçadoras. Aqui e ali, através de alguma brecha, o sol ainda aparecia num facho de raios difusos. De cada lado, ao longo das bordas deste halo, grandes manchas negras obscureciam o céu contrastando com as poucas manhãs azuladas ainda livres de nuvens. A ameaça era explícita e iminente”.
Como a cupidez, a ambição, obscurecem o raciocínio, é fácil prever o desfecho trágico para o drama grandioso aqui relatado.

Rio de Janeiro, 14 de agosto a 16 de setembro de 2021.