O manual de Balzac

O MANUAL DE BALZAC
Miguel Carqueija

Resenha do livro humorístico “Código dos homens honestos”, de Honoré de Balzac. Editora Abril, São Paulo-SP, 2004. Prefácio: Carlos Graieb. Subtítulo: “A arte de não se deixar enganar pelos larápios”. Tradução: Léa Novaes. Título original francês: “Code des gens honnêtes ou L’Art de ne pas être dupes des fripons”. Capa: Fabrício Miranda e foto de Manuel Nogueira. Coleção Super Clássicos (Revista Super Interessante).

São mais de 170 páginas de um livro “sui-generis” e de fácil leitura, publicado originalmente em 1825, quando Balzac era ainda um jovem escritor, que mais tarde, com a sua série da Comédia Humana, alcançaria fama imorredoura.
“Código dos homens honestos” surpreende com a quantidade das informações fornecidas sobre a vida parisiense daquela época, pela acidez da crítica social e pelo humor desenvolvido pelo autor ao tratar das múltiplas facetas do roubo e da vigarice.
Veja-se com que palavras Balzac vai introduzindo os leitores a este “tratado” sobre a ladroagem:
“Os ladrões constituem uma classe especial da sociedade: contribuem para o movimento da ordem social; são o lubrificante das engrenagens e, como o ar, penetram em qualquer lugar; os ladrões são uma nação à parte, no interior da nação.”
Com fria ironia Balzac faz a contabilidade do que se gastava então, na França, com o combate ao crime: gendarmeria, 20 milhões de francos por ano; Ministério da Justiça, 17 milhões; prisões, 8 milhões; carceragem etc, 1 milhão; polícia, 10 milhões; para concluir cinicamente: “Estas pequenas economias nos fariam ganhar cerca de sessenta milhões, se deixássemos os ladrões trabalharem em liberdade (sic), e, é claro, nunca chegariam a roubar sessenta milhões por ano (...)
Dividido em três partes principais e as introduções, o volume está repleto de conselhos sobre como evitar as ações dos gatunos. Um dos conselhos até hoje é muito seguido (pg. 87):
“Nada é mais útil do que deixar, durante toda a noite, uma luz forte acesa na casa.”
Quanto à mendicância (pg. 64-65):
“É melhor ajudar as famílias cuja pobreza ou desgraça conhecemos, é melhor proteger órfãos abandonados, do que distribuir cem francos por ano em moedas de dois tostões a mãos desconhecidas.”
Este manual ajuda muito a conhecer os costumes da França, nesta perdida época da primeira metade do século 19. É extraordinária a abrangência do estudo de Balzac, que não esquece as despesas que somos induzidos a fazer em doações e similares, como uma espécie de roubo suave. Algumas recomendações chegam a ser hilárias. Vejam esta (pg. 101-102):
“Nunca estreite relações com presidentes ou vice-presidentes das sociedades de beneficência, Caixa Econômica, escritório de indigentes, fundos de socorro, sociedade de ajuda a prisioneiros etc.”
Terá o Tio Patinhas lido este livro?

Rio de Janeiro, 16 de agosto de 2019.