A Uberidde de uma Nação [em crise] foi meu primeiro contato com a obra de Adriano Borçari. O livro me ganhou, a princípio, pelo título, que considerei instigante, e pela arte gráfica da capa, muito bonita.

Confesso que fui surpreendido por esse projetista, que não titubeia ao deitar a pena sobre o papel. Pensava eu, que me depararia com textos que questionavam a uberização e seus desdobramentos e, talvez, até apresentasse alguns argumentos e convicções políticas, passando pelas estatísticas de desemprego, impacto socioeconômico, geopolítica universal e por aí vai. No entanto, para minha grata surpresa, Adriano Borçari repousa o seu olhar atento ao ser humano por detrás de cada para-brisa.

As crônicas selecionadas para a obra abrangem um período de dois anos, no qual o autor aproveitou cada viagem pelo aplicativo Uber para conversar com o chofer e conhecer um pouco das histórias de vida daqueles que passaram a se dedicar ao novo modelo de prestação de serviço. A maior parte das viagens ocorre na região de Belo Horizonte, mas há também relatos de viagens que ocorreram em outros estados.

Nas páginas de Uberidade vamos encontrar personagens incríveis que, em algum momento, enxergaram no aplicativo de transporte uma oportunidade, seja para complementar o salário do atual emprego por alguma necessidade específica, seja para ajuntar um dinheiro para realizar um sonho e, ainda, aqueles que perderam espaço no mercado de trabalho por motivos variados.

Não são raras as ocasiões em que o autor é levado a uma autorreflexão existencial, provocada pelos relatos de algum cicerone.

“Ouvi tudo silenciosamente e com pesar imenso. Enquanto julgava jovens como Darlan do alto da minha racionalidade, minha consciência me acusava em meu ócio social. Sou tão alienado quanto estes jovens. A diferença é que alcancei o privilégio de ter tido professores melhores”. (pag. 51)

No início de cada crônica, Adriano nos contextualiza do seu trajeto, horário, clima e nos dá uma ideia de como se sente quando decide solicitar o serviço de um motorista. Também nos conta qual a marca e modelo do automóvel que o levará ao destino. A propósito, imagens das telas com informações das viagens já realizadas foram utilizadas para ilustrar as páginas do livro.

No seu relato de uma viagem num BMW X1, branco, o autor nos dá uma demonstração de sensatez ao concluir que, nem sempre, precisamos entrar num embate durante uma conversa. Muitas vezes será melhor calar e deixar que o tempo cuide de ensinar.

“Tive vontade de retrucar, de perguntar se não julgava seu discurso dissonante com suas roupas, seu carro, postura. Mas daí lembrei de minha tenra juventude e meus discursos vazios, cheios de minhas mais sinceras vontades e vaidades, mas ainda ocos e contraditórios. (...) Terminei a viagem calado e curtindo a leveza, o conforto e o luxo daquele carro maravilhoso”. (pag. 70)

A Uberidde de uma Nação [em crise] é um livro sobre empatia, sobre a vida que se move de forma nem sempre linear, nem sempre tranquila. As crônicas ora são bem-humoradas, ora emocionantes, como a do ex padeiro, que me obrigou a pausar a leitura por ter ficado um tanto emocionado com a história ali descrita.

Não passou desapercebida ao atento Adriano a nossa dura realidade e um diagnóstico cru sobre a nossa humanidade, provocado pela conversa com o motorista Fabiano. Me chamou a atenção o fato de que ainda não falávamos da “cultura do cancelamento” quando o autor percebeu esta prática desleal que já existia entre nós.

“Fabiano é a personificação desse brasileiro alienado que, por se achar, e mesmo sendo, honesto e batalhador, não se enxerga parte dos seus. Na maioria das vezes se vê para além de quem é, diminui e até mesmo exclui, ou neste caso específico, cancela os seus. Sem perceber que, de fato, está cancelando a si próprio de dias melhores”. (pag. 121)

O livro termina com uma tabela, coisa do projetista-autor, que relaciona profissão, veículo e outros dados de cada personagem citado na obra. Uma demonstração da diversidade deste universo particular, que também nos provoca algumas considerações.

Te convido a conhecer esta obra. Garanto que as suas experiências uberísticas e o seu olhar em relação aos prestadores de serviço, seja quais forem, será ressignificado.
 
 
 
 
Título da Obra: A Uberidade de uma Nação [em crise]
Autor: Adriano Borçari
Editora Pluralidades, 2020
ISBN: 978-65-991346-7-8
Nº de páginas: 132
Foto do livro para a resenha: Jefferson Lima

 
Jefferson Lima
Enviado por Jefferson Lima em 29/08/2021
Código do texto: T7330825
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