O livro do Século 20

O LIVRO DO SÉCULO 20
Miguel Carqueija

Resenha do livro “Arquipélago Gulag”, de Alexandre Soljenitsyn. Círculo do Livro, São Paulo-SP, 3ª edição, 1976. Tradução de Francisco A. Ferreira, Maria M. Llistó e José A. Seabra. Capa: Alfredo Aquino.

Talvez seja este o livro mais importante do século 20. Seu autor conheceu por dentro o infame sistema prisional soviético: durante a II Guerra, sendo oficial do exército vermelho, foi detido pela troca de correspondência com outro militar, com críticas feitas ao regime. No entanto, na época Soljenitsyn era comunista e acreditava na Revolução Russa.
Ele conseguiu, com o tempo, toneladas de informações sobre o Gulag, o sistema de calabouços da União Soviética, que foi o maior império da História Universal: a Rússia (já de si o país mais extenso do mundo) e dezenas de nações anexadas, como a Geórgia, Azerbaijão, Kazaquistão, Ucrânia, Moldávia, Estônia, Letônia, Lituânia e Bielorússia.
É estarrecedor o catálogo dos crimes de Lenin, Trotsky, Stalin e demais tiranos soviéticos. Por exemplo, o que terá acontecido aos soldados soviéticos que, durante a guerra, foram capturados pelo inimigo nazista e postos em campos de concentração? Ao regressarem foram recebidos como heróis? Nadinha: foram presos, mandados para as prisões do Gulag. Afinal, ser capturado pelos nazistas era crime.
O comunismo era o regime do medo e da desconfiança. Por um nada — às vezes nada, mesmo — um cidadão podia ser sentenciado a 5 ou 10 anos, ou até mais. Um sujeito, voltando de uma viagem aos Estados Unidos, comentou que lá as estradas eram boas. Isso foi considerado um crime anti-soviético e ele foi preso. Afinal, o estado soviético era uma divindade.
Até 1956 prenderam em levas, aos milhões. Os carrascos e algozes em determinado momento poderiam em breve passar à condição de acusados, presos, caídos em desgraça. E os fuzilamentos eram profusos. Por destruírem assim tantos cidadãos úteis os chefões da URSS entravavam o progresso, a economia.
Vejam este relato da página 245:
“Pouco prisioneiros de guerra cruzaram a fronteira soviética como pessoas livres, e se na confusão alguns conseguiram escapulir-se, foi apanhado depois, logo a partir dos anos 1946-47. Uns eram presos nos centros de concentração na Alemanha. Outros não eram oficialmente presos, segundo parecia, mas na fronteira levavam-nos em vagões de mercadorias, sob escolta, para um dos inúmeros campos de controle e filtragem dispersos por todo o país. (...) Nas horas livres, à tarde ou à noite, eram interrogados, para isso havia no campo de controle e filtragem um elevado número de comissários instrutores e de funcionários da Segurança. Como sempre, a instrução partia do princípio de que você era evidentemente culpado.”
“O Arquipélago Gulag” é um longo desfilar de atrocidades e barbaridades a um nível e um requinte que não se esperaria encontrar na civilização do século 20. O autor vai contando com elegância, mas sem eufemismos, a história desse tenebroso império que, como Júpiter, devorava os próprios filhos, pois importantes líderes comunistas — até ícones como Trotsky e Beria — acabavam sendo sacrificados.
Um livro que todos precisam ler.

Rio de Janeiro, 8 e 9 de novembro de 2018.