"Levantado do chão" José Saramago

A magnífica construção usada por José Saramago, um dos maiores escritores portugueses contemporâneo, no romance “Levantado do chão”pode-se perceber a intertextualidade que faz o autor ao analisarmos o romance em que através do relato da história do povo alantejo conta as injustiças e as conquistas desse povo.

Saramago se apropria da historia de uma família inteira e de outros personagens para retratar o latifúndio. O romance em sua forma, é considerada uma epopéia com características além. Através da luta da sobrevivência de um povo no latifúndio o escritor retrata parte da historia da colonização de Monte Lavre e suas mudanças no contexto sócio-político, a partir de fragmentos da história da formação de Monte Lavre no séc XV. O leitor crítico poderá, na obra, reconhecer a qual tempo em que se passam os acontecimentos históricos políticos que o autor retrata.

O escritor, através de sua obra, faz valer a voz de um povo em que na narrativa há quem a considere ser uma epopéia.

1.º geração: O silêncio

Domingos Mau-Tempo. O homem que se apaixonou por Sara da Conceição filha de Laureano Carranca. Um certo dia decide o casal fugir para viverem juntos, longe dos olhos do pai da moça que desaprovava por completo a união.

Saramago começa a contar essa história a partir do relato da viagem deles com o filho já nascido João Mau-Tempo para São Cristóvão. Domingos tinha ofício de sapateiro e no sangue a inquietação por não se fixar em lugar algum, é um filho do vento um maltês, contudo, havia a esperança de que poderia driblar as dificuldades que sua família passava.

Sara da Conceição, sua companheira e sua muleta nas horas de bebedeira sofria maus tratos do marido, por vezes, depois de passar por outras cidades mais, decide deixá-lo e retorna a casa de seu pai carpinteiro na companhia de seus filhos.

Domingos Mau-Tempo, desiludido e arrependido, volta para ter os seus de volta. Consegue tê-los novamente para junto de si e, assim, continua a saga da pobre mulher e de seus filhos não havendo muitas mudanças no comportamento de seu marido a não ser as mudanças de lugares em que ele os leva para viver e, logo, em meio e a essas viagens nasce a terceira filha Maria da Conceição.

Assim, Sara não agüentando mais a situação em que vive deixa o marido sendo essa a última vez e vai pedir abrigo a um tio, José Picanço.

Domingos bate a porta de José Picanço não o recebendo bem, diz que sua esposa não o queria mais e que, lhes deixassem em paz, pois, lá estavam eles bem e por vontade própria. Domingos não agüenta e acaba por se suicidar passando uma corda no pescoço no alto de uma montanha em uma árvore.

João Mau-Tempo ainda criança, junto aos irmãos e sua mãe vivem agora com o tio Joaquim Carranca. As crianças pedem esmolas e, João ainda sem agüentar a enxada sendo muito criança é submetido a trabalhar no latifúndio.

2.º geração: Os questionamentos

Tinha João Mau-tempo por companhia no Pendão das Mulheres seu irmão Anselmo e sua irmã Maria da Conceição onde conhece Faustina e, se tornam amigos. João gostava de bailar e o fazia como ninguém. Apaixona-se João por Faustina e esta diz a irmã Natividade, que desaprovava o romance do casal. Por esse motivo o casal foge e o moço vai atrás de sua tia Cipriana, mulher chorosa da margem da ribeira, quando das águas do Pego da Carriça lhe tiraram o marido. Com o lance do sobrinho ganha lance de casamenteira. João agora com sua companheira, após Faustina despedir-se da mãe, fogem para casa da sogra.

Em Monte Lavre João e Faustina tem seus filhos Antönio Mau-Tempo, Amélia e Gracinda, vivem em difíceis condições no latifúndio. Sara da Conceição mãe de João acaba indo para Lisboa, lugar em que sua filha Maria da Conceição vive como criada em uma casa de família, Sara da Conceição, pobre mulher, vai para um manicômio porque vivia perambulando pela noite a fora, tendo crises de loucuras devido a morte drástica de seu marido. A mulher, sempre andava com um lenço e uma garrafa de vinho nas mãos para tentar tirar as manchas do pescoço de Domingos que se enfocará.

João Mau-Tempo e outros companheiros de trabalho são presos por serem dados como ativistas políticos e grevistas e passam por humilhações e são submetidos a torturas pelas autoridades.Tempos ruins para João Mau-Tempo

João ao sair da prisão, depois do suposto mal entendido, sua filha Gracinha Mau-Tempo ao busca-lo com a mãe em um comboio organizado pelos patrões do latifúndio conversa com Manuel Espada que se recusa a voltar de carona á cidade, os jovens, em meio ao tumulto dos acontecimentos acabam por se apaixonarem. O moço, mais velho sete anos, pede o consentimento dos pais da moça para namora-la. Gracinda faz questão de prepara o seu enxoval e trabalha como nunca para ajudar a família e realizar o seu objetivo que é se casar com Manuel Espada.

Gracinda é o retrato da mulher que, aos olhos de muitos, é o começo das novas mudanças. Corajosa, companheira e determinada, dedica parte do seu tempo a aprender as primeiras letras isso, nesse época, era considerado ser acessível para poucos da região em que vivia ou até mesmo para quase ninguém.

3.º geração : As mudanças

Da união de Gracinda Mau-Tempo e de Manuel Espada nasce Maria Adelaide. Moça que o avô tem orgulho e, na narrativa, representa novos tempos. A moça esforçada e trabalhadora, escuta pela rádio os acontecimentos que mudam sua vida e a do povo, no contexto histórico político. Mas, antes do que acabamos de relatar o seu avô vem a falecer, por doença e cansaço da vida, não podendo assistir as conquistas a qual ele lutou e tanto almejou vivendo no latifúndio.

O latifúndio

A estória se passa no latifúndio e podemos descreve-lo nos apropriando da linguagem usada pelo escritor em sua obra. Importante saber que: no romance está muito presente o modo de vida das pessoas e as dificuldades existentes no latifúndio. As condições que são obrigadas a viverem por não terem outras opções, principalmente, pela imposição e o autoritarismo da oligarquia e as influências da igreja e de políticas do contexto histórico a qual se passa a história.

“Esta terra é assim. A Lamberto Horques disse o rei, Cuidai dela e povoai-a, zelai pelos meus interesses sem vos esquecerdes dos vossos, e isto vos aconselho para conveniência minha, e se assim fizerdes sempre e bem, viveremos em paz. E o padre Agamedes, às ovelhas apascentadas, O vosso reino não é deste mundo, padecei para ganhardes o céu, quanto mais lágrimas chorardes neste vale das ditas (...)” página 108.

“(...) o ar puro por exemplo, é um premio a quem encontrar um ar como este. E os pássaros, todos a cantar por cima das nossas cabeças quando paramos para apanhar uma florinha (...)”.

“(...) as pessoas da cidade cuidam, em sua ignorância, que tudo é semear e colher, pois muito enganadas vivem se não aprenderem a dizer as palavras todas e a entender o que elas são, ceifar, carregar molhos, gadanhar, debulhar à máquina ou a sangue malhar o centeio, tapar palheiro, enfadar a palha ou o feno, malhar o milho, desmontar, espalhar o adubo, semear cereais, lavrar, cortar, arrotear, cavar o milho, tapar as craveiras, podar, argolar, rabocar, escavar, montear, abrir as covas para estrume ou bacelo, abrir valas, enxertar as vinhas, tapar e enxertar as vinhas, tapar a enxertia, sulfatar, carregar as uvas, trabalhar nas adegas, trabalhar nas hortas, cavar a terra para os legumes, varejar as azeitonas, trabalhar nos lagares de azeite, tirar cortiça, tosquiar o gado, trabalhar em poços, trabalhar em brocas e barrancos, chacotar a lenha, rechegar, enfornar, terrear, empoar e ensacar (...)” pg 89.

“(...) Chama-se debulhadora (...)“ pg 99.

“É ele que marca a cadência do trabalho, a debulhadora não pode mastigar em falso (...)”.

“(...) tira os grãos da espiga, palha para um lado, cereal para outro. Vista de fora parece uma grande caixa de madeira sobre rodas de ferro, ligada por uma correia a um motor que trepida, estrondeia, retumba e, com perdão, fede (...)” pg 100

A infância - O destino das crianças no latifúndio

No latifúndio não existia diferença entre crianças e adultos. Todos faziam os mesmos serviços braçais.

O índice de mortalidade e natalidade eram altos. Ao mesmo tempo em que as crianças morriam, nasciam outras que não chegariam a idade adulta, um dos motivos, era a desnutrição. As crianças que sobrevivam trabalhava nas lavouras e algumas morriam pelo cansaço.

(...)” Um homem habitua-se a tudo, e entre uma e outra da para fazer uns filhos e os entregar ao latifúndio, sem vir lançada ou escopeta cortar o fio das promessas, que talvez o rapaz tenha sorte e chegue a capataz ou feitor ou criado de confiança, ou prefira ir viver nas cidades que é um morrer mais limpo(...)” pg 118

(...) É uma figura grotesca, de enxadão as costas, maior do que ele, que de madrugada se levanta da enxerga, na luz oleosa e fria da candeia, e tudo é tão confuso, tão espesso o sono, tão sem norte os gestos, que provavelmente já de enxadão às costas sai da enxerga (...) levantar o enxadão e deixar cair, onde estão as forças. (...)” pg 51

“(...) E João Mau-Tempo, sabedor da vida, pergunta, Vou cavar minha mãe. Sara da Conceição, pudesse ela, diria, Não vais, meu filho, tens só dez anos, não é trabalho para uma criança, mas que há-de-ela fazer se neste latifúndio não sobram outros modos de viver e o ofício do pai defunto é mal-assombrado (...)” pg 51

“(...) o meu irmão Alselmo vai pedir uma esmola pelo amor de Deus para depois me levar alguma coisita aonde eu ando a trabalhar, porque minha mãe não tem dinheiro para comprar o avio (...)” pg 52

“.(...)Antônio Mau-Tempo já vai trabalhando, anda de ajuda a guardar porcos, por enquanto não tem idade e braços para volteios de maior substância (...)” Pg 87

“(...) e para comer foram os mais velhos á esmola (...)” pg 40

“Meu filho, por esmola me deram trabalho para ti, para ganhares alguma coisita (...)” pg 51

“ Cresce a família, mesmo morrendo muitos infantes de suas doenças de caganeira líquida, desfazem-se em merda os pobres anjinhos, e extinguem-se como pavios, braços e pernas mais gravetos que outra coisa, e a barriga inchada, e estão assim, até que, chegada a hora abrem pela ultima vez os olhos só para verem ainda a luz do dia, quando não acontecem morrerem às escura, no silêncio do casebre (...) pág 80

Mulheres

A presença feminina é de forte importância na obra. As avós, primeira geração sofriam com a repressão dos pais, fugiam com os futuros maridos na intenção de melhores condições de vida, mas, viriam a sofrer com abusos e a submissão. O motivo pelo qual essas mulheres viviam, era pelos filhos e a esperança de dias melhores, uma luta constante para não se abaterem.

No romance está evidente o papel das mulheres de levantarem os seus maridos apoiando-os.

Com o passar das gerações, a mulher foi adquirindo o seu próprio espaço e tendo voz, como acontece no relato de Gracinda ao acompanhar o marido Manuel Espada a uma manifestação na praça, lugar este que no momento sua esposa era a única mulher.

Apesar de homens e mulheres trabalharem braçal nas lavouras para ajudar no sustento, as mulheres tinham sempre seu salário inferior ao dos homens.

As últimas gerações mencionadas no livro relatam uma mulher determinada. Será nela que: todas as suas outras gerações libertarão a suas forças, sua voz e, concretizarão as suas conquistas. O autor retrata o nascimento de Maria Adelaide filha de Manuel e Gracinda como um auto de Natal. A intenção do auto é deixar claro que são novos tempos, renovação e esperança.

“Por melhores condições de trabalho, a revolução e o início das reformas”.

“ Os trabalhadores conseguiram o misero aumento dado pelo patrão, que reclamou em dar (...)

“E há o desemprego, primeiro os mais moços, depois as mulheres, por fim os homens, Vão caravanas pelos caminhos à procura de um salário miserável. Não se vê nestas alturas feitores nem capatazes nem manajeiros, muito menos se vierem patrões, todos fechados em suas casas, ou longe na capital e noutros resguardos. A terra é só crosta seca ou lamaçal (...)” pg 56

“Este sol é de justiça. Queima e infla a grande secura dos restolhos, esse amarelo de osso lavado ou curtimenta de seara velha e requeimada de calores excessivos e águas destemperadas. De todos os lugares de trabalho confluem as máquinas, o grande avanço dos blindados, ai esta linguagem guerreira, quem a pudesse esquecer, são tractores que avançam (...)

A opressão no latifúndio

“(...) quando malfeitorias e malfeitores põem em risco o latifúndio, melhor é de que carroça vá Anacleto a Montemor (...)” pág 102

“(...) onde esses assuntos se tratam (..)”

“(...)Fez o administrador o seu número de autoridade civil, e o tenente Contente estava com ele, Então vocês, seus malandros, não tem vergonha nessa cara vão passar ao mar ao outro lado, costa de África com vocês para aprender a respeitar aqueles que mandam (...)” pg 107

(...) Tenham juízo, aprendam a respeitar aqueles que vos dão trabalho, por esta vez passa, mas livrem-se de cá vir parar outra, dão com os ossos na enxovia, e não se deixem ir em cantigas, se aparecer alguém a querer dar-vos papéis ou de conversas subversivas, avisem a guarda que ela trata do assunto e, agradeçam a quem por vocês pediu, não deixem ficar mal os vossos benfeitores, e agora vão-se embora, dêem as boas tardes aqui ao senhor tenente Contente que é vosso amigo, e eu também, nunca se esqueçam (...) pg 107

O incentivo para que os trabalhadores lutem pelos seus direitos.

“(...) fala Sigismundo Canastro, que sabe mais, Camaradas, não se deixem enganar, é preciso que haja união entre os trabalhadores, não queremos ser explorados, aquilo que pedimos nem sequer chegava para encher a cova dum dente ao patrão (...).” Pg 144

“A manifestação dos trabalhadores para um aumento de salário (...)

“Nós não podemos ser menos que os camaradas das outras terras, que a esta hora reclamam um salário mais certo (..)”. Pg144

“ O trabalho acabou, uniram-se dois grupos, Vá dizer ao patrão que se nos quiser cá amanhã, as contas são boas de fazer, trinta e três escudos por dia. Idade de Cristo (...)”pg 145

O patrão expondo sua fala, não aceitando o aumento solicitado pelos trabalhadores.

“Malandros é que eles são, não querem trabalhar, se esta guerra tivesse sido ganha por quem eu cá sei, nem se atreviam a mexer um dedo, estavam aí calados como ratos, a trabalhar pelo que nós quiséssemos pagar...”pg 146

“Cada dia de trabalho passou a valer mais oito escudos, muito menos de dez tostões de aumento por hora, um nada por minuto, tão pouco que não existe moeda que o represente...”pg 147

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A Família Mau-Tempo luta a cada geração por um espaço e melhores condições de vida. São lavradores, que na primeira geração luta pelo sustento dos filhos. Já estes filhos, sobreviventes lutam por melhores salários e a terceira geração luta pelo todo: sustento da família, melhores condições de vida, pela sua própria terra, não querem mais serem explorados, agora querem produzir o seu próprio alimento, construir a sua moradia no seu espaço por direitos. Lutam por justiça e preservam os direitos conquistados por seus avôs e pais. Esta geração vem com mais força. Os avôs lutaram com enxadas e foices, seus pais utilizaram da força da massa. A Nova Geração utiliza das leis, da sabedoria e de seus conhecimentos adquiridos.

Percebe-se a intertextualidade que faz o autor com outras obras e clássicos literários

George Orwell: pela forma em que o autor relata em sua narrativa as questões governamentais e políticas podemos comparar a esse escritor. “Revolução dos bichos” e 1984”.

James Joyce : presente à técnica de fluxo de consciência. O escritor faz o personagem retornar ao passado.

Charles Dickens em suas obras aborda a questão do trabalho infantil. “Christmas Carol”

Guimarães Rosa: vocabulário e trabalha com contos populares e temas regionalistas.

A Bíblia:Saramago usa de fragmentos do texto bíblico, como a estória de Adão e Eva e a serpente. Os salmos estão sempre presentes nas falas do padre Argamedes.

Mitologia Grega:“Caso mais claro é aquela das duas arcas de pedra enterradas pelos mouros, uma cheia de ouro, uma cheia de peste. Disse que, com medo de abrir por engano, ninguém teve animo para as procurar. Não tivesse aberta não estava o mundo como está, tão de peste cheio (...)” Alusão a estória de Prometeu e a caixa de Pandora pg 85

Literatura Grega – Tragédias

“(...) aqui seria a ocasião de clamar o coro grego os seus espantos para criar a atmosférica dramática propiciaaos grandes rasgos generosos (...)” pg 52

Shakespeare (Hamlet) e Lord Byron:“(...) diga-me de quem é esse crânio que tens nas mãos, será do filho do rei (...)” pg 178 -