Hitchcock e suas histórias assustadoras

HITCHCOCK E SUAS HISTÓRIAS ASSUSTADORAS
Miguel Carqueija

O cineasta inglês Alfred Hitchcock (1899-1980), mestre do suspense radicado nos Estados Unidos a partir de 1939, organizou dezenas de antologias de contos do gênero, que se tornaram bastante conhecidas.
Resenha da antologia “Histórias assustadoras”. Editora Record, Rio de Janeiro-RJ, sem data. Organização: Alfred Hitchcock. Tradução: A.B. Pinheiro de Lemos. Título do original norte-americano: “Tales to make your teeth chatter”, copyright 1980 Davis Publications.

O ESCRAVO (Henry Slesar) – Autor habitual nas revistas policiais dos EUA, como eu encontrei muitas vezes nas que foram editadas no Brasil, aqui ele elabora um enredo inesperado e bizarro, onde dois homens desenvolvem um estranho jogo de escravidão mútua, para aflição da namorada de um deles. Uma aposta insensata levou a uma situação absurda, na qual, durante um prazo, um deles pode interferir à vontade na vida do outro, mas depois a situação se inverte. É bom saber que a maioria dos seres humanos não aprovaria semelhante coisa.
OS DENTES NO CASO (Carl Henry Rathjen) – Uma escavação, numa cidade pequena, revela um esqueleto, e aí um crime cometido há três décadas atrás vem à tona provocando consequências no presente e um novo assassinato. É uma história válida, mas sem grande originalidade, mostrando as motivações de um crime passional.
A ESSÊNCIA DA JUSTIÇA (Hal Ellson) – No volume o nome do autor aparece como “Hel”, mas eu já o conheço das revistas policiais que saíram no Brasil nas décadas de 60 e 70 e depois sumiram. Esta é outra história de crimes ocorridos em cidade pequena, aqui misturados com corrupção. Também sem grande originalidade.
UM FAVOR (Stephen Wasylyk) – História notável, bem escolhida por Hitchcock e com implicações terríveis. Um advogado sabe que certo empresário, que salvara a sua vida na guerra, estava em perigo mortal, pois certo gangster o jurara de morte. Na continuação a coisa se complica de forma inusitada: o próprio filho do empresário é contratado para matá-lo.
A VÍTIMA DO ANO (Jack Ritchie) – Conto meio patético sobre uma espécie de encenação teatral com simulação de assassinato, onde a “vítima” começa a desconfiar que irão matá-la de verdade.
TESTEMUNHA INOCENTE (Irving Schiffer) – Um habilidoso conto onde um executivo mantém problemático relacionamento com a esposa e uma datilógrafa acaba envolvida e, pela análise de telefonemas, descobre um crime passional.
PRISÃO NA ESTRADA DO SUL (Robert Colby) – Um casal, viajando de carro em direção à Flórida e vindo de Nova Iorque, é detido no caminho por um xerife autoritário por excesso de velocidade, porém nem tudo é o que parece e logo eles se vêem numa situação angustiante, juntamente com outras pessoas detidas ilegalmente. Um conto realmente de impacto.
NÃO SOMOS ESSE TIPO DE GENTE (Samuel W. Taylor) – Quando um cachorro é envenenado, as coisas começam a se complicar na vida de uma família. O marido e pai, que narra a história, sente-se ameaçado por um desconhecido; ele, a esposa e a filha. A complicação envolve também os vizinhos.
A história é movimentada e tem uma solução não de todo imprevisível.
PROBLEMA DE PESO (Duane Decker) – Eu conheço esse autor de longa data, já tinha lido textos fatídicos de sua autoria nos anos 60, quando as bancas vendiam revistas policiais. Este conto é bem curto e irônico e conta a má sorte de um ladrão e assassino de nome esquisito, Fatstuff. O final é muito irônico.
ALGUMA COISA ESTRANHA (James Michael Ullman) – Conto passado todo ele no plano natural mas que mesmo assim parece surreal. Um casal, Herb e Rose, deixou o automóvel numa garagem sob recibo, por cinco horas, depois pegou de volta porém Herb Crain “cismou” que o veículo não era o mesmo apesar de estar com todos os objetos deixados, até um velho cobertor no banco de trás, para quando levassem o cachorro. Mas Herb notou algumas diferenças. Ora, por que haveriam de trocar o carro deles por outro parecido? A partir dessa estranha questão desenvolve-se uma história policial incomum.
A GRANDE CAÇADA (Talmage Powell) – Outro nome que me é familiar, dos velhos tempos em que eu acompanhava as saudosas revistas policiais. Esta é uma narrativa de crime, onde o protagonista-narrador executa um duelo de inteligência com o xerife de um condado, ambos canalhas inescrupulosos. Aqui, é apenas uma amostra da baixeza humana.
A LATA DE SALSICHA (Joyce Harrington) – Uma interessante vinheta sobre a diferença entre o roubo famélico dos desfavorecidos da sorte, inclusive idosos em situação de penúria, e o assalto violento a mão armada. Quando quatro garotos tentam assaltar o mercado e o velhinho gatuno evita o roubo, vira herói e gnha mercadorias de graça.
TUDO COMEÇOU COM UM ESPIRRO (Donald E. Westlake) – Outro autor que eu conhecia bem das revistas, desses contos em que os protagonistas nunca se dão bem. Neste caso é um tal de Albert que elabora longamente um plano complicado de chantagear o patrão, o advogado Mr. Clement, um velho irascível. Albert arma a chantagem numa operação complexa que envolve documentos comprometedores copiados e remetidos para uma caixa postal (inspirado em história de Richard Hardwich — provavelmente um escritor da vida real). Mas quando se dirige ao patrão para apresentar a chantagem, cadê a coragem?
A PROVA NO BOLSO (Harold Q. Masur) – Uma história confusa sobre um advogado que toma as dores da viúva de um juiz que se suicidou por conta das denúncias de corrupção, e que está sendo cobrada por um dinheiro ilícito que ele havia recebido. Não chega a ser interessante mas dá para ler até o fim.

Rio de Janeiro, 6 de junho a 4 de agosto de 2021.