Liderança de Pequenos Grupos com Propósitos
Impresso na Imprensa da Fé-SP para ser publicado pela Editora Vida-SP que detém o copyright da edição brasileira a partir da primeira edição publicada em 2018, o título que é objeto da presente resenha apresenta em 266 do total de 272 páginas encadernadas em brochura com capa flexível, o que o próprio autor reduziu no subtítulo da obra, a saber: “Tudo do que você precisa saber para liderar um grupo saudável.”
A obra compreende dezesseis capítulos divididos em três partes com maior dedicação para a parte 02 que abrange mais de 50% de todo o conteúdo do livro. Trata-se, a bem da verdade, de um Manual de Práticas dedicado à implantação de Pequenos Grupos e o Manual é uma compilação das estratégias e práticas do próprio autor como pastor de Pequenos Grupos na Igreja Saddleback localizada em Lake Forest no Estado da Califórnia-EUA.
Bem por isso, ou seja, por se apresentar como um Manual de Estratégias compiladas pelo autor, o livro não possui uma bibliografia para referenciamento das várias idéias, recomendações e propostas nele oferecidas.
Steve Gladen, o autor da obra foi integrado à mega Igreja Saddleback no ano de 1998 como pastor de Pequenos Grupos. Formado pela Universidade Evangélica de Springfield, especializou-se em Aconselhamento Pastoral e assumiu nesta igreja a supervisão, lançamento e desenvolvimento estratégico da comunidade de Pequenos Grupos. Atualmente, reside no sul da Califórnia com sua esposa Lisa com quem está casado desde 1989. O casal possui dois filhos, Ericka e Ethan.
A referência “Mega Igreja Saddleback” é proposital por se tratar de uma comunidade com mais de 22 mil membros, filiada à Convenção Batista do Sul do Estados Unidos e que considera o ministério de Pequenos Grupos, conforme está descrito no site, como o “coração da Igreja”.
Steve Gladen introduz o conteúdo da obra a partir do reconhecimento de que todos podem exercer liderança na igreja, quando se trata de liderar Pequenos Grupos. No entanto, antes de organizar um Pequeno Grupo é importante e necessário que o líder saiba que ele próprio faz parte do plano de Deus para cuidar de pessoas e, assim, promover o crescimento do Reino de Deus.
Conforme entendimento do autor, os Pequenos Grupos foram fundamentais para a Igreja Primitiva (p.39) de acordo com o texto de Atos 2:42-47. Não obstante, ou seria melhor dizer, a despeito do exemplo extraído da Igreja Primitiva, é importante que o Pequeno Grupo saiba definir a Visão e a Missão da Igreja Local, e é função do líder tornar isso bastante claro.
Considerando que o líder do Pequeno Grupo será uma das tantas outras lideranças responsáveis pelo desenvolvimento e crescimento da igreja, o autor declara que a eficiência do líder repousa sobre quatro relacionamentos que precisam ser desenvolvidos, a saber:
1.- Relacionamento com Cristo;
2.- Relacionamento com alguém que esteja em um nível acima do seu;
3.- Relacionamento com um parceiro espiritual;
4.- Relacionamento com um (futuro) aprendiz.
Como já foi dito, o livro pretende constituir um Manual extraído das experiências do autor no âmbito da sua própria cultura e academicidade, inclusive da cultura Saddleback. Assim considerado, o Manual inclui e oferece como ferramentas diversas tabelas e questionários para avaliação do Líder, dos Liderados, dos Planos, das Metas e do Sucesso (ou frustração) alcançado nas áreas da Comunhão, Discipulado, Ministério (entendido aqui por serviços prestados à comunidade), Evangelismo e Adoração.
Embora não se possa desprezar o esforço do trabalho feito, a compilação do material e a maneira como é apresentado torna-se enfadonha, desinteressante, talvez porque o público para o qual foi traduzido não seja muito receptivo à metodologia pragmática do autor. Além disso, o método apresentado através dos questionários de avaliação tende a se aproximar muito mais de uma empresa do que de uma Igreja, no sentido da palavra.
Pois bem, a implantação de pequenos Grupos em uma igreja, no entendimento deste autor trata-se de mais uma estratégia, entre tantas, que possui no mínimo dois objetivos bastante claros, definidos pelas observações que seguem. São eles:
1.- A igreja cresceu demasiadamente, a ponto de o Ministério Pastoral não conseguir acompanhar e cuidar dos seus membros nos termos bíblicos de como o Pastor deve cuidar das suas ovelhas;
2.- A igreja encontra-se estagnada e a implantação dos Pequenos Grupos possui como determinante o esforço de agregar e multiplicar a quantidade de membros numa progressão geométrica capaz de produzir recursos, inclusive financeiros, para a manutenção do próprio ministério.
Em função dos dois objetivos macro expostos acima, pessoalmente considero absolutamente inadequada a utilização dos textos característicos do livro de Atos dos Apóstolos, notadamente o texto de Atos 2:42-47 para justificar o uso dessa estratégia de crescimento ou de cuidado da comunidade. Diz o texto:
“Eles perseveravam no ensino dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações. E na alma de cada pessoa havia pleno temor, e muitos feitos extraordinários eram realizados pelos apóstolos. Todos os que criam estavam unidos e tinham tudo em comum. Vendiam suas propriedades e bens, e dividiam o produto entre todos, segundo a necessidade de cada um. Diariamente, continuavam a reunir-se no pátio do templo. Partiam o pão em suas casas e juntos participavam das refeições, com alegria e sinceridade de coração, louvando a Deus por tudo e sendo estimados por todo o povo. E, assim, cada dia, o Senhor juntava à comunidade as pessoas que iam sendo salvas.”
A realidade da Igreja Primitiva era diametralmente oposta à realidade da Igreja Contemporânea. À época, e a História do Cristianismo confirma isso, os Pequenos Grupos que se reuniam em lares para Oração e Comunhão só o faziam porque eram esses os únicos espaços disponíveis. Noutras ocasiões, os cristãos se reuniam também no pátio do Templo de Jerusalém enquanto ainda não eram perseguidos por causa da sua fé e nos lugares onde a perseguição se tornou mais grave, até nas catacumbas e nos cemitérios havia reunião de Pequenos Grupos.
Historicamente, apenas a partir do Século III com a pretensa conversão do imperador romano Constantino ao Cristianismo, foi que os cristãos passaram a desfrutar a liberdade de se reunirem pública e coletivamente, além da autorização concedida pelo imperador de construírem os seus próprios templos onde pudessem promover os seus encontros.
Por outro lado, há que se observar também que o “ensino dos apóstolos”, nem de longe incluía a estratégia de se estabelecer em cada cidade ou nas igrejas nelas existentes, os chamados Pequenos Grupos. Esses existiam e multiplicavam-se vertiginosamente não como uma estratégia de crescimento, mas como resultado da confissão de Fé, da Alegria, da Sinceridade do coração, da vida de Adoração e do conhecimento de que o testemunho, o comportamento e a vida dos primeiros cristãos era nada mais, nada menos, que a evidência transformadora do encontro com Jesus; e este encontro era promovido pelo “ensino dos apóstolos” através do kerigma, ou seja, da proclamação do Nome de Jesus.
Pequenos Grupos sempre existiram e sempre existirão no contexto do Cristianismo. A questão relevante, porém, não deve ser o propósito PARA QUE existem, mas sim, os efeitos da sua existência como resultantes do aprimoramento do ensino bíblico na Igreja que redunde no maior e mais profundo comprometimento do novo convertido com a vida e com o caráter de Jesus. Tais efeitos trarão benefícios naturais para a Igreja do nosso tempo e tornarão o ambiente, a comunhão e a adoração a Deus extremamente saudáveis.
Finalmente, uma observação pertinente que merece atenção. À página 264, o autor afirma:
“Talvez você não possua tudo o que a Saddleback possui. Talvez não goste da nossa metodologia. Tudo bem. Mas não perca a oportunidade de usar alguns dos princípios deste livro para criar as suas próprias estratégias.”
Essa declaração do autor denuncia e confirma a opinião de que o livro é, de fato, um Manual de Estratégias específicas aplicadas a uma comunidade específica e também para um tempo específico. Por conta disso torna-se questionável a sua aplicabilidade de forma indiscriminada ou, de forma extensiva às igrejas em geral, pois afinal, cada comunidade possui a sua própria história, a sua própria cultura e os próprios valores que não podem ser simplesmente descartados e favor da importação de fatores externos à sua própria realidade. A imitação do sucesso de outrem pode ser uma experiência extremamente frustrante e decepcionante quando considerada a longo prazo.
Enfim, considerando os termos do subtítulo da obra, ressalto o erro da tradução que poderia ter dispensado a conjunção “do” para ficar apenas com o artigo definido “o” conforme a redação que segue: “Tudo o que você precisa saber para liderar um grupo saudável.” Diante disso, sinceramente, permanece a dúvida se o livro explora, de fato, tudo o que alguém precisa saber, ou se o que a obra apresenta é o suficiente para que alguém possa liderar um grupo saudável.
O livro em si mesmo não é ruim! Poderia ser recomendado como leitura obrigatória também em palestras para organizações empresariais, claro, com algumas modificações aqui e ali alterando a sua destinação para um público diferente daquele que o autor pretendeu atingir.
Na verdade, o livro se assemelha à bula de um determinado medicamento cuja importância restringe-se apenas àquela enfermidade para que o medicamento foi produzido pela indústria farmacêutica e cuja utilização para outra enfermidade específica não produzirá os efeitos e resultados esperados. Assim é o livro, um Manual de Estratégias para serem aplicadas, embora descontextualizadas da realidade brasileira, tão diferente da realidade norte-americana e, mais ainda, tão estranho para o conceito do Ser Igreja e não do Ser Empresa, à luz das Escrituras Sagradas em conformidade com o “ensino dos apóstolos”.
Pr. Oniel Prado Corrêa
Inverno de 2021
Brasília - DF