RESENHA DO LIVRO "VIDAS SECAS", DE GRACILIANO RAMOS

Antes de abordar a obra prima “Vidas Secas”, de Graciliano Ramos, é necessário entendermos o período em que a obra foi escrita. O Modernismo, outrora inaugurado em 1922 com a Semana da Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, foi de um impacto tremendo no mundo das artes, da música e da literatura. O intuito da Semana era a comemoração do centenário da independência do Brasil - outorgada em 1822, e para isso, os artistas da cidade, na época, organizaram apresentações com declamação de poesias, exposição de obras e apresentações musicais.

Na ótica da valorização nacional, deixando de lado as estéticas europeias, tanto os romancistas quanto os poetas inculturaram, em suas obras, figuras genuinamente brasileiras. Com isso, dentro das três fases modernistas, mais especificamente na segunda, conhecida também como Geração de 30, surge os romances regionalistas, cujo foco era incluir no rol literário a vida e as histórias das várias regiões do país. Um dos autores que aqui merece destaque é o alagoano Graciliano Ramos.

Nascido em 1892, na cidade de Quebrângulo, em Alagoas, Graciliano Ramos fez carreira na política, sendo prefeito em Palmeira dos Índios em 1927. Além de político, foi cronista, jornalista, memorialista e acima de tudo, romancista. Dentre as várias obras memoráveis do autor, como “São Bernardo” (1934), “Angústia” (1936), e “Memória do Cárcere” (1954), “Vidas Secas”, publicada em 1938, é considerada pela crítica a magnum opus do autor, merecendo assim especial destaque.

A história é ambientada na no sertão brasileiro, contando a história de Fabiano, um homem rude, tipicamente o esteriótipo do homem nordestino, Sinhá Vitória, esposa de Fabiano e mãe de dois filhos, possuidora de intelecto um pouco maior do que o do marido, Menino mais Velho e mais Novo, filhos de Fabiano e Sinhá, , Tomas de Bolandeiro, poderoso dono de uma fazenda, a cachorra Baleia e o papagaio, que detém para si a inteligência humana, que será abordada logo adiante.

O contexto social que a obra foi escrita, no Brasil, era, na questão política, o tipo de governo denominado Oligarquia, onde a disputa por cargos como o de presidente da república, eram disputado por grandes latifundiários, fazendeiros, compondo assim um grupo de privilegiados, se assim pode-se dizer. O soldado amarelo, o fiscal e o dono da fazenda, outras personagens, aparecem como os antagonistas, representando assim a opressão oligárquica.

Em meio a luta pela sobrevivência no contexto da seca, Ramos deposita nos personagens fortes características nordestinas. As personagens que englobam a obra sofrem um processo denominado zoomorfismo. Para melhor entender o termo, nos explica o doutor Ananias Agostinho da Silva:

Em Vidas Secas, a zoomorfização foi utilizada como um recurso estilístico para demonstrar a condição miserável em que se encontravam as personagens, provocada principalmente pela seca. A família de retirantes nordestinos é obrigada a viver de acordo com seus instintos e impulsos, peregrinando de um lugar para outro, alimentando-se do que encontravam no caminho (preás, novilha de raposa), como se fossem mesmo animais.(SILVA, s.d)

O recurso literário em questão pode ser evideciado no seguinte trecho:

Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia. (RAMOS, 2003, p. 19)

Voltando o olhar para os animais que aparecem ao longo do romance, e em especial a cachorra Baleia, outro fenômeno ocorre: o antropomorfismo. Ao longo dos capítulos, a personagem em questão passa por um processo de humanização e, Ramos recorre a essa estratégia para demonstrar como a seca e a desigualdade contribuem para uma vida desumana, paupérrima. (SILVA, s.d). Para constatar tal afirmativa, basta analisar o uso de verbos que exprimem ações humanas, como em “Baleia, séria, desaprovava tudo aquilo”(Capítulo V, p.32) e em “(Baleia) Quis recuar e esconder-se debaixo do carro, mas teve medo da rosa” (Capítulo IX, p. 21).

Focando na problemática da seca que assola o nordeste brasileiro, Ramos escolheu como foco narrativo a terceira pessoa do discurso, recurso utilizado unicamente para este livro. Ainda, pode-se notar a não- linearidade dos capítulos, bem como o uso do discurso indireto livre, dando assim autonomia para o leitor de lê-los independente da ordem, uma vez que cada um apresenta seu próprio enredo. Nota-se, pois, o uso do tempo psicológico, fazendo com que as angústias das personagens, exploradas pelo autor, fiquem adjacentes ao leitor.

Em suma, a obra de Graciliano Ramos ganha grande destaque na literatura nacional por abordar uma questão muito latente a realidade nordestina- a seca. Através da sua linguagem, pretende mostrar a aridez do ambiente que, de certa forma, atinge as personagens do enredo. Com a narração em terceira pessoa, pode-se inferir que pela falta de capacidade dos personagens em expressar-se, os mesmos não conseguiriam assumir o papel de narrador. Suas personagens são mergulhadas nas mazelas de uma vida fadada ao descaso dos poderes públicos que, por sua vez, não tem olhos para a realidade dos mesmos.

REFERÊNCIAS:

KYOMURA, Leila. “Vidas Secas” Denuncia o Descaso Social e a Exploração Humana. Jornal da USP, São Paulo: 2018. Disponível em :<https://jornal.usp.br/cultura/vidas-secas-denuncia-o-descaso-social-e-a-exploracao-humana/> Acesso em 25 de mai. de 2021

QUINELATO, Rosangela. Personagens do livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Vestibulando Web, Minas Gerais :2020. Disponível em: <encurtador.com.br/cnF09>. Acesso em 25 de mai. de 2021.

SANTOS, Camila Brito. A Humanização da Personagem Baleia em Vidas Secas: Uma Abordagem Sistêmico-Funcional. Anais do XVI CNLF. Rio de Janeiro: CiFEFiL, 2012. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/xvi_cnlf/tomo_2/125.pdf> Acesso em 25 de mai. De 2021

SILVA, Ananias Agostinho. Antropomorfismo e Zoomorfismo em 'Vidas Secas'. O Guari - Revista Eletrênica de Literatura. [s.l], [s.l], [s.d]. Disponível em: <encurtador.com.br/CFJTU> Acesso em 25 de mai. de 2021

“Vidas Secas” – Análise da obra de Graciliano Ramos. Guia do Estudante, [s.l],2012.Disponível em: : <https://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/vidas-secas-analise-da-obra-de-graciliano-ramos/>