FAHRENHEIT 451
Imagine uma sociedade onde os livros são proibidos e que sua leitura configura-se num crime; não só isso, uma sociedade que REPUDIA a leitura. O papel dos bombeiros foi completamente virado ao averso. Agora, eles são os mantenedores da paz: para exterminar um livro, basta chamá-los e prontamente os livros são dizimados.
Esse é o cenário de fundo para o personagem Guy Montag –e para nós, visto que é impossível o não envolvimento com a narrativa–, um bombeiro acostumado a tornar em cinzas livros e casas. As pessoas do universo [genialmente]criado por Ray Bradbury são indiferentes, vazias. O universo em si é indiferente. É frio. Não se importa com ninguém. É semelhante ao "outono", nas palavras do autor, "frio, seco". Guy contesta tudo isso, inclusive sua existência nisso. A indiferença abismal o incomoda. O inconformismo –principalmente com a proibição da leitura– inunda-o. Instaura-se, em si, uma profunda crise ideológica, após seu último incêndio: uma mulher preferiu ser queimada junto de seus livros a abrir mão deles.
Fato desolador: a proibição da leitura não partiu de um decreto do governo, de nenhuma lei ou algo do tipo. Não. Partiu da própria sociedade. "O que nos interessa aqui", diz Manuel da Costa Pinto, "é a singularidade da distopia de Bradbury. Ele percebe o nascimento de uma forma mais sutil de totalitarismo: a indústria cultural, a sociedade de consumo e seu corolário ético — a moral do senso comum." Em Fahrenheit 451, nossa ruína foi causada pelo nosso egoísmo.
O mundo distópico e em uma inevitável caminhada em direção a autodestruição de Fahrenheit 451, é desgraçadamente profético. O paralelo com o nosso mundo atual é incrível, muito bem dito por Beatty, o chefe dos bombeiros: "Mais esporte para todos, espírito de grupo, diversão, e não se tem de pensar, não é? Organizar, tornar a organizar e superorganizar super-superesportes. Mais ilustrações nos livros. Mais figuras. A mente bebe cada vez menos. Impaciência. Rodovias cheias de multidões que vão pra cá, pra lá, a toda parte, a parte alguma".
O que impera não é um governo autoritário, mas o totalitarismo do senso comum, da felicidade a todo custo regida pela "indústria do entretenimento".
Contudo, mesmo no cenário mais caótico, ainda há esperança. E essa esperança está naqueles que, mesmo que isso lhes custe a vida, prezam pela perseverança em fazer o bem.