Um grande romance de Clifford D. Simak

UM GRANDE ROMANCE DE CLIFFORD D. SIMAK
Miguel Carqueija

Resenha do romance “Boneca do destino”, de Clifford D. Simak. Hemus Livraria Editora Ltda., São Paulo-SP, sem data. Tradução de Affonso Blackeyre. Título original norte-americano: “Destiny doll”, “copyright” 1972 do autor. Capa: Equipe Hemus.

Clifford D. Simak não é só um dos grandes da ficção científica dos Estados Unidos, ou do século 20, mas do gênero, em todos os tempos. Seus contos e romances, que misturam FC com fantasia, fascinam pelo excesso de imaginação.
“Boneca do destino” é uma história desconcertante. Contrariando a fórmula habitual do autor ela é narrada na primeira e não na terceira pessoa. O protagonista-narrador é Mike Ross, um aventureiro contratado pela milionária Sara Foster para comandar uma expedição a um planeta desconhecido em busca de alguma espécie de Shangri-lah. Tratava-se na verdade de seguir a pista de certo Lawrence Knight, outro aventureiro que, acompanhado pelo robô telepata Roscoe, estava procurando alguma coisa grande e desaparecera havia muito tempo.
Ainda que cético o Capitão Michael Ross, envolvido em algumas encrencas mal explicadas, precisava sumir da Terra mesmo. Trata-se portanto de uma clássica narrativa de jornada, cujo grupo inicial inclui ainda o estranho Frei Tuck e o cego George Smith, que “ouve” na mente indicações sobre o caminho a seguir.
A nave dos aventureiros acaba chegando aum misterioso planeta que é também uma armadilha, pois são ludibriados pelos cavalinhos (são mesmo cavalinhos de parque de diversão, porém soltos, vivos e falantes, mas dotados de balancins) e sua nave é selada com uma capa inviolável, de modo que, em princípio, não podem retornar.
Segue-se uma jornada alucinatória em que acontece de tudo: árvores quilométricas que bombardeiam os protagonistas com seus frutos, centauros esportistas que jogam com a cabeça de Roscoe (o tal autômato telepata), um gnomo pérfido e caviloso, uma cidade ilusória e a estranha boneca cujo rosto rude parece suportar uma imensa tristeza. Surge Pio, o inusitado alienígena com seus poderes mentais. E Roscoe, quando resgatado pelos humanos e tem a cabeça recolocada no corpo, parece um robô perturbado, debiloide. Aos poucos, porém, ele ajustará sua mente.
É um dos romances mais bizarros que eu já li, sendo Mike Ross um perfeito anti-herói, impaciente e mal-humorado, todavia dotado de sentimentos humanos e integridade. É quase uma busca pelo Graal, de qualquer forma, uma busca por alguma coisa transcendental, que os personagens mal sabem o que seja. Realmente, a leitura de “Boneca do destino” — romance genial, em nenhum momento enfadonho — pode suscitar uma porção de reflexões e discussões filosóficas, indo muito além de uma simples “space opera”.

Rio de Janeiro, 4 de junho de 2021.