Uma biografia de Abrahão Lincoln

UMA BIOGRAFIA DE ABRAHÃO LINCOLN
Miguel Carqueija

Resenha do livro “Abrahão Lincoln”, de Luciano Lopes (2ª edição melhorada). Livraria Jacintho, Rio de Janeiro (DF), 1938.

O tempo faz esquecer muitas obras dignas, preciosidades que vão caindo no olvido.
No dia 24 de fevereiro de 2021 descobri no sebo de rua da Praça Saens Peña uma dessas jóias raras da nossa literatura, esta biografia do grande estadista Abraão Lincoln, assinada por um historiador de cuja existência eu não desconfiava, Luciano Lopes. E neste volume estão relacionadas diversas obras do autor, inclusive cinco volumes de uma História da Civilização, para todas as séries do curso secundário, como então se dizia (naquele tempo se estudava).
A figura de Lincoln é por demais conhecida: o vigoroso lenhador nascido em grande pobreza: “Numa paupérrima choupana do quase despovoado e selvático Condado de Hardin, Kentucky, nascia, a 12 de fevereiro de 1809, Abrahão Lincoln”. E no entanto, destinado a ser Presidente dos Estados Unidos e extinguir a infame escravidão dos negros — fato que originou a sangrenta guerra civil (como sangrentas são todas as guerras) e por fim o próprio assassinato do herói.
Abrahão cresceu inculto, seu pai Thomas não encorajava os estudos visto que precisava da ajuda do filho. A vida era muito dura. Anos depois Thomas e a esposa Nancy mudam-se para o Estado de Indiana. “Nunca em sua vida frequentou Lincoln uma escola pública”.
O autor vai narrando o esforço heroico de Lincoln, homem de físico avantajado e de força descomunal, desenvolvida numa existência saudável, ao ar livre, sem os vícios do cigarro, da bebida e do sexo, e mantida pelo trabalho braçal. E com tudo isso ele era um colosso que se afeiçoara aos livros.
Lincoln ficou órfão de mãe, porém Thomas casou-se em segundas núpcias com Sarah Bush Johnston, uma viúva que já tinha três filhos. “Ao contrário do que sóe acontecer, neste caso, e não obstante tudo que se tenha dito em desabono das madrastas, ela era muito bondosa para com o jovem Abe, que nela encontrou realmente uma segunda mãe”.
Afinal, graças a Sarah, a perseguição do pai contra a “mania” de Abe por livros cessou. Não que houvesse dinheiro para comprar livros, ele lia o que lhe caía nas mãos.
E assim se vê que Lincoln realmente veio de baixo até chegar ao topo, ao cargo de Presidente da República.
Segue a atraente biografia referindo ao grande amor de Abrahão, Anna Rutledge, por fatalidade morta numa enfermidade antes que o casamento se realizasse. E depois veio o casamento com Maria Todd, uma união bem problemática, mas que se manteve até o fim.
“Seja como for, o certo é que ele não foi feliz em sua vida conjugal. Casado embora e pai de filhos, ele permaneceu sempre, de certo modo, um homem solitário.”
O lenhador tornara-se advogado e depois galgou o Senado. Seguidor da Bíblia, embora não houvesse aderido a nenhuma religião em particular, foi sempre um homem justo e escrupuloso. Para ele, advogados não deviam por lenha na fogueira: “Não se deve estimular nunca uma demanda”, deixou lavrado num texto manuscrito.
Os últimos tempos de Lincoln, já presidente, são mais conhecidos. Defensor da causa abolicionista, por não suportar ver seres humanos vendidos como gado, não pôde evitar a rebelião dos estados sulistas. A Guerra da Secessão foi cruel, sanguinolenta, ruinosa, e ameaçou destruir os ideais de Abrahão Lincoln. Mas afinal, apesar de algumas derrotas, Lincoln obteve a vitória definitiva que libertou os escravos, encerrando uma página de vergonha na história dos Estados Unidos (restou o racismo, como sabemos). E pagou com a vida por isso. No entanto, morrendo como mártir da Justiça certamente ganhou o Céu.
Lopes transcreve muitos pensamentos de Lincoln. Vejam este:
“Sem malícia para com ninguém, tendo caridade para com todos, com firmeza no direito, enquanto Deus nos permite discernir o que é direito, trabalhemos por completar a obra que temos em mão.”
O livro de Luciano Lopes nos deixa a impressão de ter sido Abrahão Lincoln não somente um herói, mas quase um santo.
Para mim Luciano Lopes foi uma descoberta, um literato brasileiro de valor da primeira metade do século 20 que eu desconhecia completamente e que, como historiador, também trouxe a lume “Figuras históricas do Mundo Antigo”.

Rio de Janeiro, 22 e 23 de maio de 2021.