A pandemia distópica e outros efeitos
“Quando os humanos batem boca, os vírus se multiplicam”.
A sociedade cresceu à base de cooperação e se destrói no pilar da individualidade. A pandemia do Coronavírus evidencia esse e outros fenômenos. Falta-nos uma política global, o entendimento de que a Covid-19 e outras patologias atingem toda a humanidade – ricos, pobres, famosos e anônimos. Ataca de maneiras distintas, considerando os recursos que cada indivíduo dispõe. Em, “Notas sobre a pandemia – e breves lições para o mundo pós-Coronavírus” (Cia das Letras, 2020, 128p), de Yuval Noah Harari, historiador israelense, somos levados a diversas reflexões, realizadas a partir de artigos do autor e entrevistas concedidas por ele, sobre o passado-presente-futuro – acerca de como a comunidade global enfrentou, enfrenta e provavelmente enfrentará questões de saúde.
Por que nos consideramos tão evoluídos, mas estamos adiando soluções para o combate ao micro-organismo? Porque a guerra não se estabelece somente com o vírus, mas contra a ciência, como temos observado agirem alguns representantes globais, com promoção de Fakenews, além da desvalorização da pesquisa. Ademais, como pensarmos em solidariedade global, quando se observa que a disputa pela vacina tornou-se um campeonato em que se concorre para quem produz o antígeno primeiro e, assim, se possa faturar bilhões com o repasse?
Yuval relembra que, nos anos 1970, só conseguimos derrotar a varíola, porque todas as pessoas em todos os países se vacinaram. Considerando o movimento antivacina, temo que não consigamos frear de modo tão efetivo o Corona – até porque os vírus estão em constante mutação, fortalecendo-se, ganhando novas configurações.
Para piorar, conforme aponta o autor, atualmente estamos sem líderes. A grande potência – Estados Unidos – absteve-se do título no momento em que mais precisamos de algo ou alguém que desempenhe liderança e assim possa movimentar o cenário global em busca de soluções eficazes. Fazer política para a humanidade e não discursos que mais dividem, polarizam e criam ideologias maniqueístas, prolongando o caos.
Neste momento de crise, é bastante oportuno estarmos mais atentos ao totalitarismo, buscarmos fontes diversas, na tentativa de não sucumbirmos na e à ignorância. Abrir mão do conhecimento é aniquilar a própria liberdade. Assim, convém destacar outros dois pontos explanados pelo historiador: a importância de partilhar profissionais da área médica e o papel da tecnologia na vigilância de doenças.
O Brasil importou médicos cubanos, tanto esses profissionais quanto nós brasileiros passamos por um laboratório, em que se experimentaram diversas medidas para melhorar o sistema de saúde nacional. Como defende a historiadora brasileira Lilia Moritz Schwarcz: precisamos de um exército sanitário, um exército médico. Defende-se tanto a compra de armas de fogo e se esquecem da munição para momentos em que a vida de todos está vulnerável a um organismo que nem podemos ver.
No que refere à tecnologia, Harari, retoma a ideia explanada em “21 lições para o século XXI” de que no futuro seremos monitorados não apenas sobre a pele, mas subcutaneamente, com braceletes ou chips, vários países terão controle do que ocorre em nossos organismos – da verificação da pressão, passando pela avaliação dos sentimentos e sobre o desenvolvimento de tumores. Não parece que estamos tão distantes disso ou que isso soe distópico – basta refletirmos um pouco sobre como somos manipulados pelas redes sociais para entendermos que há interesses no controle de indivíduos...
Não somos uma ilha, é preciso lembrar. Yuval cumpre bem esse propósito nessa nova publicação. Recomenda-se a leitura, para que fiquemos mais atentos aos movimentos globais em tempos de crise na saúde e na política. Não sei qual aprendizado a humanidade obterá de fato do atual contexto. Talvez, com sorte, a importância da união entre os Estados/nações. Por ora, é possível retirar muitas lições em “Notas sobre a pandemia”.
Leo Barbosa é professor, escritor e poeta.