Trustália, uma quase distopia - de Magno Mello
Uma galeria de dezenas de personagens ocupa as páginas deste livro de capítulos curtos subdivididos em episódios que se desenrolam em poucas linhas, alguns destes, os mais extensos, em três, quatro páginas. Está centrada a história nos eventos sucedidos em Trustália, um vilarejo situado nas cercanias de Paraíso e de Arrabalde. Tem início o relato com um evento inusitado, um fenômeno inédito, testemunhado por sete pessoas, todas de Trustália: uma luz amarela manifestou-se nos céus do povoado; e a partir deste fenômeno os moradores de Trustália revelam o dom de ler os pensamentos alheios. Ao ler as primeiras linhas, o leitor prepara-se para ler um relato fantástico, mas o autor, Magno Mello, não lhe satisfaz as expectativas, pois prende-se em pequenos relatos de eventos ocorridos, no povoado, nos anos que antecederam o estranho fenômeno luminoso e suas consequências extraordinárias. Descreve o livro um microcosmo social, o vilarejo de Trustália, uma civilização em miniatura, onde convivem tipos humanos dotados que o autor soube descrever com inteligência ao narrar os episódios que eles protagonizam. É a narrativa um caleidoscópio, as personagens entrechocando-se e revelando-se, nas colisões entre si, detalhes ocultos até então.
Coadjuvado por Seu Vincente, José Inácio, Ariana, Romão, Padre Antero, professora Poliana e outros personagens, Ualter Carlos revela-se o protagonista, que tem no Comandante seu antagonista. É Comandante, cujo nome de batismo é Evilário Mouravia Montepreto, o “dono de quase tudo”, o fundador do vilarejo Trustália, o homem que o governa com mãos de ferro. As personagens reservam muitos segredos, não raros íntimos, que conservam de todos ocultos a sete chaves, mas o dom que adquiriram após a manifestação da luz amarela, dom que lhes permite ler pensamentos alheios, trá-los à superfície, e um deles referia-se à morte dos pais de Ualter Carlos.
O autor mal emprega o recurso que dá o pontapé inicial do seu relato, o talento - que todos os moradores de Trustália adquiriram à manifestação da luz amarela - de ler os pensamentos alheios; dedica-se ao relato, em recortes curtos, de eventos anteriores ao fenômeno que dotou as personagens do extraordinário talento; indica, assim, entendo, que não soube o que saber com o recurso - que me parece dispensável dado o tratamento que o autor lhe dedica - que tinha em mãos.
Revela Magno Mello três virtudes: domínio da técnica narrativa, que lhe permite costurar os episódios, em curtos recortes, entremeando passado e presente; bom vocabulário; e, controle da ação de dezenas de personagens, que se contracenam.
Não me agradou o livro; e nem me desagradou. Generoso com o autor, digo que o livro tem mais pontos positivos do que negativos.