"O santo e a porca / O casamento suspeitoso" de Ariano Suassuna: uma boa amostra do excelente teatro nordestino
Duas peças de teatro do escritor paraibano Ariano Suassuna. Trata-se de “O santo e a porca” e “O casamento suspeitoso”, duas comédias, sendo ambos os textos originalmente publicados em 1957. As obras estão presentes em uma mesma edição, da José Olympio, e que traz ainda ilustrações de Zélia Suassuna, esposa do autor.
Em “O santo e a porca” conhecemos Euricão, um avarento que ama, mais do que tudo na vida, uma porca onde guarda em segredo suas economias. Certo dia, ele recebe uma carta de Eudoro, um distante parente rico, onde este avisa que irá visita-lo para lhe pedir aquilo que é mais importante em sua vida. Euricão se desespera com a possibilidade do visitante estar interessado em pedir dinheiro emprestado. Porém, Eudoro está interessado em Margarida, filha de Eudoro, por quem se apaixonou quando ela lhe visitou. Entretanto, Margarida está apaixonada por Dodó, filho de Eudoro, e que tem trabalhado disfarçado na fazenda de Euricão, para ficar perto da amada. O disfarce é motivado pelo fato de que Dodó deveria estar em outra cidade, estudando, conforme prometeu ao pai. Temos a confusão.
Por sua vez, em “O casamento suspeitoso”, temos a história de Geraldo e Lúcia, que estão de casamento marcado. Porém, Dona Guida, mãe de Geraldo, não confia na índole da futura nora. Cancão, amigo do noivo, está interessado em acabar com o casamento. Por sua vez, outros personagens estão interessados no casamento visto que o pai de Geraldo deixou-lhe uma pomposa herança.
Ambas as peças fazem parte do que chamamos de Teatro Popular do Nordeste (ou TPN), iniciado em meados de 1940 e do qual Ariano Suassuna era um dos representantes, ao lado de Hermilo Borba Filho, Gastão de Holanda, José de Moraes Pinho, o músico Capiba, dentre outros. Tinha como objetivo a busca de uma “forma nordestina de encenação e interpretação”, bem como oferecer ao público da cidade do Recife, capital de Pernambuco, um teatro profissional de qualidade. De característica questionadora, as peças criticavam costumes e abordavam questões políticas, o que nas décadas seguintes gerou problemas com a Ditadura Militar para alguns de seus integrantes, que chegaram a ser perseguidos (1). Trejeitos e traços culturais da Nordeste brasileiro se fazem presentes de forma vibrante na encenação.
As duas peças de Suassuna podem ser classificadas dentro do gênero teatral da “farsa”, que teve no português Gil Vicente, cuja leitura recomendo, um dos seus mais importantes representantes. Isso se deve ao humor presente que, geralmente, é exposto de forma caricata, exagerada. Contudo, no teatro nordestino, a citada crítica dos costumes e de temas caros à população é uma marca presente, o que difere da essência da definição da farsa tradicional (2), no qual o humor funciona como fim e não como um meio.
Por falar em humor, é impossível não se deleitar com o caráter cômico das peças. A comédia de situação, além de provocar questionamentos pertinentes, diverte muito, com um texto de qualidade ímpar e que bebe daquilo que há de melhor dentro da história do teatro. “O santo e a porca”, por exemplo, é inspirada na peça “Aulularia” (também conhecida como “A comédia da panela”) do dramaturgo romano Plauto, que tem um enredo parecido, e teve ainda como influência ainda Molière.
Ariano Suassuna é muito lembrado por “O auto da compadecida”, sua obra mais conhecida, que virou série de TV, posteriormente compactada e lançada no formato de filme. Entretanto, vale a pena conferir essas peças menos lembradas do autor nordestino. Além da qualidade literária e dos questionamentos, um pouco de risada é sempre salutar.
(1) Teatro Popular do Nordeste (TPN). In: Enciclopédia Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo404786/teatro-popular-do-nordeste-tpn>. Acesso em: 14 de abril de 2020. Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7.
(2) SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO PARANÁ. Gêneros teatrais. Curitiba: SEED. Disponível em: <http://www.arte.seed.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=199>. Acesso em: 14 de abril de 2020.
NOTA: 4/5 (ótimo).
FICHA: SUASSUNA, Ariano: estampas de Zélia Suassuna. O santo e a porca / O casamento suspeitoso. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986, 7ª edição, 150 páginas.