O primeiro volume de "...E o vento levou"
O PRIMEIRO VOLUME DE “... E O VENTO LEVOU”
Miguel Carqueija
Resenha do romance “... E o vento levou”, de Margaret Mitchell, volume 1. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro-RJ, 1961, 6ª edição. Tradução: Francisca de Basto Cordeiro. Título original: “... Gone with the wind”, copyright 1936 de The Macmillan Company, USA. Inclusa carta da autora para a tradutora, datada de 27 de junho de 1939.
Achei esta raridade inestimável num sebo de rua, o exemplar já bem maltratado pelo tempo porém ainda legível.
O monumental romance que originou o filme gigantesco de David O. Selznick (lançado em 1939) é uma história épica sobre a civilização do algodão, no sul dos Estados Unidos. Só este primeiro volume tem mais de 400 páginas com letras miúdas e folhas grandes. E impressiona como a autora — que consta só ter escrito esse livro — penetra profundamente na mentalidade da época, uma civilização escravagista, com negros submissos e fiéis, e brancos arrogantes e que, diante das imposições do Presidente Abraham Lincoln (abolição da escravatura) acharam que podiam simplesmente formar uma tropa e dar uma surra nos ianques:
“Um sulista sozinho dá cabo de vinte Yankees.” “Daremos uma lição que eles jamais esquecerão.”
Diante das insanidades que eram ditas numa festa somente Rhett Butler, justamente o transgressor, o sujeito de má fama, apresenta argumentos de bom senso:
“Algum dos senhores já pensou que não existe nenhuma fábrica de canhões ao sul da linha Mason-Dixon? Ou no número de fundições existente no Sul? Quantas fábricas de algodão e de lã? Quantas peleterias e cortumes? Já se inteiraram de que não possuímos um só navio de guerra? De que a esquadra Yankee pode engarrafar os nossos portos em uma semana e impedir-nos de vender aos estrangeiros o nosso algodão? Mas — estou certo, senhores, de que já pensaram em tudo isso... não é?
Mesmo Scarlett O’Hara, a jovem atrevida em torno da qual gira a história, sentiu-se indignada com Rhett Butler — prova de que os condicionamentos sociais e nacionalistas podem ser poderosos. Todo mundo odiou Rhett e ninguém pôde desmenti-lo.
Scarlett O’Hara é uma figura icônica. Mulher de temperamento forte, mas orgulhosa e egoísta, ama de forma obsessiva Ashley Wilkies e tenta seduzi-lo ao sabê-lo noivo de Melania Hamilton, garota a quem ela despreza. Quando Ashley a repele da forma mais educada possível, Scarlett se enfurece contra ele e o xinga de modo absurdo, sem saber que Rhett Butler estava no local, tentando tirar uma pestana, e assistira tudo. E no entanto as agruras da guerra, que irão arruinar a região, farão com que Scarlett e Melania vivenciem juntas dramáticas situações, que vivam juntas, cada qual com um filho, isso tudo apesar do desprezo e quase ódio que Scarlett tem por ela. E embora esconda bem esse desprezo, aos poucos começa a aceitar a companheira de infortúnio, tentando recuperar uma Tara — a grande propriedade da família — estando morta a mãe de Scarlett, senil o pai, e relacionando-se mal com as duas irmãs.
Melania, ou Melanie em outra tradução, tornara-se cunhada de Scarlett e a estimava com sinceridade, inocente demais para imaginar o que se passava na cabeça da outra. Por despeito contra Ashley, Scarlett casara-se com o jovem, envergonhado e desprezado Carlos Hamilton. O casamento é realizado, mas Carlos segue para a guerra e morre de sarampo e pneumonia. Mas Scarlett engravidara. No entanto ela não desenvolve grande amor pelo menino, Wade.
O romance tem um número imenso de personagens, muitos deles aparentados: é difícil guardar de memória ao longo de centenas de páginas. E diversos vão morrendo. Rhett Butler, porém, reaparece várias vezes na vida de Scarlett. Esta, na desgraça de Tara — pouquíssimos escravos restaram, o local foi arrasado pelos ianques — pronuncia o seu terrível juramento (“nunca mais passarei fome”), mais solene ainda no filme de David O. Selznick.
Vemos ainda a ilusão da guerra com sua coorte de horrores: miséria, destruição, mortes, mutilações, soldados forçados a combater sem sapatos até na neve. E assim foi levada pelo vento a orgulhosa, racista e preconceituosa civilização do algodão, no sul dos Estados Unidos.
A história segue num segundo volume.
Rio de Janeiro, 8 a 14 de março de 2021.
O PRIMEIRO VOLUME DE “... E O VENTO LEVOU”
Miguel Carqueija
Resenha do romance “... E o vento levou”, de Margaret Mitchell, volume 1. Irmãos Pongetti Editores, Rio de Janeiro-RJ, 1961, 6ª edição. Tradução: Francisca de Basto Cordeiro. Título original: “... Gone with the wind”, copyright 1936 de The Macmillan Company, USA. Inclusa carta da autora para a tradutora, datada de 27 de junho de 1939.
Achei esta raridade inestimável num sebo de rua, o exemplar já bem maltratado pelo tempo porém ainda legível.
O monumental romance que originou o filme gigantesco de David O. Selznick (lançado em 1939) é uma história épica sobre a civilização do algodão, no sul dos Estados Unidos. Só este primeiro volume tem mais de 400 páginas com letras miúdas e folhas grandes. E impressiona como a autora — que consta só ter escrito esse livro — penetra profundamente na mentalidade da época, uma civilização escravagista, com negros submissos e fiéis, e brancos arrogantes e que, diante das imposições do Presidente Abraham Lincoln (abolição da escravatura) acharam que podiam simplesmente formar uma tropa e dar uma surra nos ianques:
“Um sulista sozinho dá cabo de vinte Yankees.” “Daremos uma lição que eles jamais esquecerão.”
Diante das insanidades que eram ditas numa festa somente Rhett Butler, justamente o transgressor, o sujeito de má fama, apresenta argumentos de bom senso:
“Algum dos senhores já pensou que não existe nenhuma fábrica de canhões ao sul da linha Mason-Dixon? Ou no número de fundições existente no Sul? Quantas fábricas de algodão e de lã? Quantas peleterias e cortumes? Já se inteiraram de que não possuímos um só navio de guerra? De que a esquadra Yankee pode engarrafar os nossos portos em uma semana e impedir-nos de vender aos estrangeiros o nosso algodão? Mas — estou certo, senhores, de que já pensaram em tudo isso... não é?
Mesmo Scarlett O’Hara, a jovem atrevida em torno da qual gira a história, sentiu-se indignada com Rhett Butler — prova de que os condicionamentos sociais e nacionalistas podem ser poderosos. Todo mundo odiou Rhett e ninguém pôde desmenti-lo.
Scarlett O’Hara é uma figura icônica. Mulher de temperamento forte, mas orgulhosa e egoísta, ama de forma obsessiva Ashley Wilkies e tenta seduzi-lo ao sabê-lo noivo de Melania Hamilton, garota a quem ela despreza. Quando Ashley a repele da forma mais educada possível, Scarlett se enfurece contra ele e o xinga de modo absurdo, sem saber que Rhett Butler estava no local, tentando tirar uma pestana, e assistira tudo. E no entanto as agruras da guerra, que irão arruinar a região, farão com que Scarlett e Melania vivenciem juntas dramáticas situações, que vivam juntas, cada qual com um filho, isso tudo apesar do desprezo e quase ódio que Scarlett tem por ela. E embora esconda bem esse desprezo, aos poucos começa a aceitar a companheira de infortúnio, tentando recuperar uma Tara — a grande propriedade da família — estando morta a mãe de Scarlett, senil o pai, e relacionando-se mal com as duas irmãs.
Melania, ou Melanie em outra tradução, tornara-se cunhada de Scarlett e a estimava com sinceridade, inocente demais para imaginar o que se passava na cabeça da outra. Por despeito contra Ashley, Scarlett casara-se com o jovem, envergonhado e desprezado Carlos Hamilton. O casamento é realizado, mas Carlos segue para a guerra e morre de sarampo e pneumonia. Mas Scarlett engravidara. No entanto ela não desenvolve grande amor pelo menino, Wade.
O romance tem um número imenso de personagens, muitos deles aparentados: é difícil guardar de memória ao longo de centenas de páginas. E diversos vão morrendo. Rhett Butler, porém, reaparece várias vezes na vida de Scarlett. Esta, na desgraça de Tara — pouquíssimos escravos restaram, o local foi arrasado pelos ianques — pronuncia o seu terrível juramento (“nunca mais passarei fome”), mais solene ainda no filme de David O. Selznick.
Vemos ainda a ilusão da guerra com sua coorte de horrores: miséria, destruição, mortes, mutilações, soldados forçados a combater sem sapatos até na neve. E assim foi levada pelo vento a orgulhosa, racista e preconceituosa civilização do algodão, no sul dos Estados Unidos.
A história segue num segundo volume.
Rio de Janeiro, 8 a 14 de março de 2021.