O amor de Davi Nasser por Portugal
O AMOR DE DAVI NASSER POR PORTUGAL
Miguel Carqueija
Eu estava devendo à minha mãe, falecida em 1997, a leitura e o comentário deste livro que pertenceu a ela e até hoje guardo comigo, mas que somente agora li.
Ela gostava de Davi Nasser, um dos nossos grandes repórteres, que tinha programa na televisão, embora não aparecesse em cena, “As grandes reportagens de Davi Nasser”, depois o “Diário de um repórter”, colaborava na revista “O Cruzeiro” e ainda publicava livros.
Este, das Edições O Cruzeiro, do Rio de Janeiro (meu exemplar é da segunda edição, julho de 1965), tem capa de Dounê sobre foto de Ed Keffel e uma carta-apêndice da jornalista portuguesa France de Vasconcellos, sendo a obra dedicada a Manuel Bandeira, Miguel Torga, Alves Pinheiro e “in memoriam” a Ary Barroso.
Davi Nasser escreve em prosa mas seu estilo é deveras poético, perpassando entranhado amor à pátria que nos gerou. Ele discorre sobre Lisboa, Coimbra, Porto, o Minho, sobre o escritor Miguel Torga, que também era médico, sobre Camões, Camilo, Júlio Diniz, Amália Rodrigues, sobre Salazar e lamenta que o brasileiros tivessem certo desprezo ou desamor para com Portugal. Nasser acusa Jânio Quadros de ter parte nisso. E lembra que a pressão mundial, inclusive na ONU, para que Portugal desse independência a seus territórios de ultramar deixava livres Inglaterra, França, Holanda, Estados Unidos. As Guianas, o Havaí...
“Enamorado de si, morreu Narciso à beira dum regato onde se mirava. E as ninfas, compadecidas da sua desgraça, pediram aos deuses que o transformassem numa flor.
Lisboa é essa flor. O Tejo, o rio onde se perdeu a imagem.”
Esse prosear poético abarca o livro inteiro, que tem letras grandes e pouco mais de cem páginas, inclusive algumas em branco.
“Vou deixando Portugal num gerúndio bem brasileiro. Os portugueses de Vila Real não estranham apenas o sotaque adocicado, mas os vocábulos em desuso, como se nós, os brasileiros, vivêssemos na idade da pedra de uma língua que mantemos viva. Viva, sim, dizem eles, quando lêem José Lins, Jorge Amado, Graciliano, Guimarães Rosa, Antônio Maria, Rubem Braga, Fernando Sabino, José Condé, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade — e, sobretudo, a padroeira Rachel de Queiroz que eles lêem como quem mastiga um pão de bom trigo.”
Em estilo inusitado torna esse livro uma imensa prosa poética. Vejam este outro trecho:
“Percorro este mundo de algumas milhas de História — como aquele baiano que foi a Góis rever o amigo de sempre. A cada passo, leio o ressentimento e o perdão nos olhos generosos dos portugueses que simplesmente não compreendem. “O que foi que lhes fizemos?”, parecem perguntar, sem que eu possa lhes responder, a menos que dissesse uma palavra: “Jânio”.
O que terá feito Jânio Quadros contra Portugal, a ponto de provocar esse ressentimento do repórter? A leitura de “Portugal, meu avôzinho” nos infunde até remorsos por não amarmos o suficiente a nossa átria ancestral.
Davi Nasser fala muito de seu amigo Miguel Torga, escritor luso famoso, como pude constatar na Wikipedia, e que eu desconhecia de todo.
Recomendo a leitura.
Rio de Janeiro, 8 de março de 2021.
O AMOR DE DAVI NASSER POR PORTUGAL
Miguel Carqueija
Eu estava devendo à minha mãe, falecida em 1997, a leitura e o comentário deste livro que pertenceu a ela e até hoje guardo comigo, mas que somente agora li.
Ela gostava de Davi Nasser, um dos nossos grandes repórteres, que tinha programa na televisão, embora não aparecesse em cena, “As grandes reportagens de Davi Nasser”, depois o “Diário de um repórter”, colaborava na revista “O Cruzeiro” e ainda publicava livros.
Este, das Edições O Cruzeiro, do Rio de Janeiro (meu exemplar é da segunda edição, julho de 1965), tem capa de Dounê sobre foto de Ed Keffel e uma carta-apêndice da jornalista portuguesa France de Vasconcellos, sendo a obra dedicada a Manuel Bandeira, Miguel Torga, Alves Pinheiro e “in memoriam” a Ary Barroso.
Davi Nasser escreve em prosa mas seu estilo é deveras poético, perpassando entranhado amor à pátria que nos gerou. Ele discorre sobre Lisboa, Coimbra, Porto, o Minho, sobre o escritor Miguel Torga, que também era médico, sobre Camões, Camilo, Júlio Diniz, Amália Rodrigues, sobre Salazar e lamenta que o brasileiros tivessem certo desprezo ou desamor para com Portugal. Nasser acusa Jânio Quadros de ter parte nisso. E lembra que a pressão mundial, inclusive na ONU, para que Portugal desse independência a seus territórios de ultramar deixava livres Inglaterra, França, Holanda, Estados Unidos. As Guianas, o Havaí...
“Enamorado de si, morreu Narciso à beira dum regato onde se mirava. E as ninfas, compadecidas da sua desgraça, pediram aos deuses que o transformassem numa flor.
Lisboa é essa flor. O Tejo, o rio onde se perdeu a imagem.”
Esse prosear poético abarca o livro inteiro, que tem letras grandes e pouco mais de cem páginas, inclusive algumas em branco.
“Vou deixando Portugal num gerúndio bem brasileiro. Os portugueses de Vila Real não estranham apenas o sotaque adocicado, mas os vocábulos em desuso, como se nós, os brasileiros, vivêssemos na idade da pedra de uma língua que mantemos viva. Viva, sim, dizem eles, quando lêem José Lins, Jorge Amado, Graciliano, Guimarães Rosa, Antônio Maria, Rubem Braga, Fernando Sabino, José Condé, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade — e, sobretudo, a padroeira Rachel de Queiroz que eles lêem como quem mastiga um pão de bom trigo.”
Em estilo inusitado torna esse livro uma imensa prosa poética. Vejam este outro trecho:
“Percorro este mundo de algumas milhas de História — como aquele baiano que foi a Góis rever o amigo de sempre. A cada passo, leio o ressentimento e o perdão nos olhos generosos dos portugueses que simplesmente não compreendem. “O que foi que lhes fizemos?”, parecem perguntar, sem que eu possa lhes responder, a menos que dissesse uma palavra: “Jânio”.
O que terá feito Jânio Quadros contra Portugal, a ponto de provocar esse ressentimento do repórter? A leitura de “Portugal, meu avôzinho” nos infunde até remorsos por não amarmos o suficiente a nossa átria ancestral.
Davi Nasser fala muito de seu amigo Miguel Torga, escritor luso famoso, como pude constatar na Wikipedia, e que eu desconhecia de todo.
Recomendo a leitura.
Rio de Janeiro, 8 de março de 2021.