MARROM E AMARELO

(ALERTA DE SPOILER - CONTINUE POR SUA CONTA E RISCO)

Paulo Scott nos entrega, nesta obra, algo diferente e inovador, voltado para um tema super atual: o racismo. Neste livro, vemos a história de dois irmãos, Federico e Lourenço, sendo que um é branco e outro, negro. O pai de ambos é policial, negro, integrante da Polícia de Porto Alegre; eles crescem num ambiente agridoce, onde há a presença de alguns privilégios e benesses (o pai de ambos era um homem de sucesso e bem relacionado), mas também, como é de se esperar, a presença da violência racial, que varia da sutileza ao descaramento.

Federico é o narrador da história; em primeira pessoa, ele inicia mostrando uma comissão sobre um aplicativo para estudantes que se declarem negros. Ele escolheu a área acadêmica; é um homem quieto, parece até meio mal humorado, mas se mostra com um imenso senso de justiça e um amor incondicional pela família (que parece adormecido, mas desperta com força total durante a história).

A vida de Federico é virada de pernas para o alto depois que algo acontece: sua sobrinha, Roberta, é presa depois de uma manifestação, portando uma arma. A descoberta faz com que ele entre em longas reflexões sobre sua vida, e seu passado.

É uma trama difícil, contada com quebra de cronologia. Além disso, o autor se utiliza de um recurso pouco explorado nesse tipo de romance: o discurso indireto livre, bem como as frases sem pontos finais (técnica que lembra Saramago). O tom é frio e realista, com direito a alguma ironia; é uma ficção madura e intensa, que exige bastante de quem estiver lendo. Com certeza, é aquele livro que você terá que dar uma pausa e voltar alguns trechos, para compreender melhor (o que pode ser um ponto positivo, ou negativo, dependendo do que você gosta). Muitas pessoas, com certeza, não se entenderão bem com o livro; pelo menos para mim, a experiência valeu muito a pena, por alguns motivos.

Um deles é o fato de Scott ter escolhido como protagonista uma família que não corresponde aos clichês literários típicos: Federico, Lourenço e seus pais não são, necessariamente, pobres desde que nasceram. O pai deles é um agente da lei, que passou por cima de muitos desafios (na visão dele), e, durante o livro, vemos que ambos também se tornaram profissionais bem sucedidos. No entanto, isso não os impede de passar por cenas de racismo vergonhosas, que doem mais (muitas vezes) em Federico do que em seu irmão, que é de pele mais escura.

O outro, ao meu ver, são as diversas camadas que o escritor consegue colocar em sua obra. Racismo, preconceito, acomodação, pautas identitárias... Tudo isso é mostrado de um jeito original, principalmente por meio das lembranças e dos momentos chave da vida do protagonista. De certa forma, isso apresenta um realismo interessante ao livro; há sim personagens estereotipados, que pouco acrescentam, mas pelo menos a família do protagonista - principalmente seu pai - são pessoas fortes que não cedem, e de uma perspectiva de escrita, sinto que todos têm pelo menos um grande momento.

Para mim, o resultado funciona, porque a trama é interessante e faz você pensar. O que Scott oferece aqui são várias camadas além de um drama familiar: o livro se desdobra numa bela trama investigativa, onde passado e presente se colocam lado a lado, o tempo todo.

Indicado para: quem quer conhecer algo original escrito sobre um assunto inesgotável.

Nota:10,0 de 10,0.