A CHEGADA DO TERCEIRO REICH
UMA MARÉ SOMBRIA SOBRE UM PAÍS
Um dos livros mais incríveis que já li, sem dúvida! A discussão e o tema, indigestos por natureza, são facilitados (e muito) pela linguagem simples e acessível a que Richard J. Evans utiliza em sua obra. Não sei quanto disso é fruto da tradução (e provável adaptação) do original, mas é fato que, já nas primeiras páginas, o historiador mostra que busca exatamente por essa clareza e concisão.
O autor se utiliza de uma linha do tempo para mergulhar nas causas e processos que levaram a Alemanha a aderir ao Nacional-Socialismo nos anos 30, ao mesmo tempo esclarecendo o processo, respondendo a muitas dúvidas e esclarecendo mitos sobre esse sistema, tão absurdo quanto violento. Evans situa o início desse processo na época do governo de Otto Von Bismarck, no qual houve uma unificação da Alemanha sobre um governo autoritário. Embora o governante em questão não tenha jamais participado do nazismo, é a partir dessa época que alguns elementos chave na sua ascensão aparecem: o nacionalismo exacerbado, o antissemitismo, o desprezo pela democracia, precedidos pelas teses higienistas que viriam em anos seguintes.
O escritor vai direto ao ponto em todos os momentos; há muitas questões que são deixadas de lado, como a infância de Hitler (que aparece mais ou menos no meio do livro), bem como dos principais líderes de seu governo, ou aspectos de suas vidas pessoais. Isso ajuda a dar menos densidade ao assunto, e ajuda a manter um tom imparcial (a meu ver). Esse fator é importante, pois Evans busca evitar certas abordagens que pareceram equivocadas quando foram tomadas por outros autores sobre o assunto.
Dito tudo isto, o livro é uma fonte fenomenal sobre os acontecimentos da época. É incrível ver como, em menos de quarenta anos, a tensão causada pelos elementos explicados acima colocou a Alemanha, lentamente, numa panela em fervura. A coisa começa a esquentar de verdade na Segunda Guerra Mundial, seguida pelo Tratado de Versalhes e por uma hiperinflação gigantesca. O ódio, o ressentimento e a violência começaram mais ou menos nessa época, e tudo isso serviu para enfraquecer o governo, agora sobre a República de Weimar.
Engana-se quem pensa que os nazistas eram um grupo aventureiro; durante muitos anos, o partido cresceu e se organizou, internamente, em diversas células, que comportavam inúmeros setores da sociedade, como os jovens, as mulheres, os homens trabalhadores, profissionais liberais etc. Além disso, o partido incluiu e foi atrás de diversas figuras da sociedade, principalmente entre os jovens alemães, mas também veteranos de guerra e pessoas de destaque. Entre eles, as figuras de Goebbels e Goring se destacam. Também se engana quem acha que só os nazistas eram a causa da violência na Alemanha: havia diversas milícias e grupos paramilitares ligados a partidos políticos, como os comunistas e os social-democratas. Além disso, muitos grupos tidos como conservadores já possuíam grande aversão aos judeus.
Há três pontos que fazem muita diferença: o primeiro é o carisma pessoal de Hitler, capaz de atrair multidões ao redor de si, prontas para fazer tudo o que ele julgasse necessário (e isso não é exagero, como o próprio Evans mostra). O segundo é o fato de que, por ter uma estrutura interna sólida, o partido foi capaz de buscar junto às massas um apoio de diversos setores da sociedade. Ao que parece, eles eram capazes de adotar um discurso distinto para cada local, voltado àquilo que julgavam as necessidades locais por onde passavam. O terceiro, e talvez o mais importante, ao qual Evans retorna em momentos distintos do texto: o senso comum de uma fatia importante dos alemães se identificava, em parte, com muitos pontos das ideias menos radicais dos nazistas.
Qual é a parcela de culpa dos alemães pelo que aconteceu nessa época? O próprio autor é cuidadoso ao fazer essa relação. O fato é que não é fácil de responder isso, uma vez que os nazistas chegaram ao poder por via democrática, mas não eram democráticos; tiveram votações expressivas, usaram um verniz de moderados e manipularam a lei de todos os modos, e houve sim resistência contra sua tomada do poder (no entanto, ela foi pequena, e, em todos os casos, rapidamente silenciada). Para quem acha que o nazismo era de esquerda, Evans é claro: Hilter expulsou do partido todo e qualquer pensamento ou intelectual voltado ao pensamento esquerdista, e mais de uma vez se preocupou em mostrar que defenderia os interesses do setor empresarial (sim, há tantas semelhanças com o governo nazista e um certo presidente que ascendeu nos últimos anos que qualquer um pode perceber, o que me leva a crer que são "coincidências demais", mas...).
Pessoas que mencionam que "os judeus foram espancados nas ruas não por soldados nazistas, mas por seus vizinhos... até por crianças" (como uma certa atriz atual...) talvez não saibam que os nazistas não tinham, até então, propriamente soldados, mas grupos paramilitares extremamente violentos, e que já quando eles subiram ao poder, havia um sentimento forte contra os judeus, mas era maior ainda contra os comunistas. No entanto, de forma alguma isso é uma desculpa para um regime criminoso que, sim, tomou o poder com gosto e mão de ferro, e fez sua influência varrer um país como uma maré, cujas consequências são assustadoras até hoje.
Indicado para: quem quer saber como um dos regimes mais violentos da História começou.
Nota: 10,0 de 10,0.
Dica: leia ouvindo isso - https://youtu.be/-XY5lLMimVc