“A VIDA MENTIROSA DOS ADULTOS” TRAZ O FEMININO E AS MUDANÇAS DA ADOLESCÊNCIA

"A Vida Mentirosa dos Adultos”, novo romance da italiana que assina sob o pseudônimo Elena Ferrante, conta as transformações e desafios de Giovanna na passagem da infância para adolescência. O marco inicial do desmoronamento da ingenuidade é Giovanna escutar, aos 12 anos, seu pai dizer que ela estava ficando igual a sua irmã, Vittoria, uma mulher com traços de feiura e, ao que tudo indica, de maldade. A partir daí, a protagonista busca conhecer a tia por quem os pais sempre tiveram desprezo, e acaba por descobrir um mundo diferente fora e dentro de si mesma.

A história se passa em Nápoles e seus contrastes entre a pobreza e a dita ignorância do mundo de Vittoria, e a classe média intelectual a qual Giovanna e os pais professores pertencem. Conhecer a tia é apenas o ponto de partida para novas experiências da adolescência que permitem – e forçam – o olhar de Giovanna a se abrir às imperfeições e mentiras dos próprios pais, à malícia dos homens, à competição entre as mulheres, à desconhecida sexualidade. A escola lhe parece cada vez menos atrativa, assim como os valores e regras a que os pais a submeteram até ali.

Giovanna também carrega um pouco da síndrome de baixa autoestima de Lenu, protagonista do sucesso de Ferrante “A Amiga Genial” – assim, não ficamos tão carentes da Tetralogia Napolitana. A transição para a adolescência também lembra Lenu: Giovanna se acha feia, desinteressante, foca em aspectos em que acredita ter menos valor do que as amigas. Quando através da tia conhece Roberto, professor de 25 anos a quem passa a admirar platonicamente, a jovem procura através da leitura alcançar o nível intelectual que acredita ser necessário para fazer parte de sua vida.

Recebemos um romance de Elena Ferrante com as marcas da autora presentes: reflexões densas trazidas nos pensamentos de Giovanna e nos diálogos; no pano de fundo, a abordagem do feminino em algumas situações narradas de forma visceral, crua.

Há questões existenciais, para as quais a personagem ora terá uma resposta, ora será confrontada com outra situação e uma nova possibilidade de reação. As linhas são tênues no que diz respeito às opiniões formadas, às atitudes das pessoas ao redor e às crenças do passado.

“A Vida Mentirosa dos Adultos” é repleta de dúvidas e descobertas dessa fase da vida com a qual nós, leitoras, podemos nos identificar. A obra cativa mais pela escrita fluida e bem costurada, pelas personagens bem construídas e aos poucos reveladas, o que nos prende com curiosidade até o final, do que pela promessa de um desfecho surpreendente ou a revelação de um mistério.