Viagem ao inferno terrorista
Após As Andorinhas de Cabul, onde mostra a sobrevivência de dois casais em meio a Cabul sob o regime Talibã e O Atentado, retrata a trama do terrorismo em Israel, o escritor argelino Yasmina Khadra, agora descreve a conversão de um jovem iraquiano em um homem-bomba com sede de vingança. Seu mais recente livro, As sirenas de Bagdá (Les Sirènes de Bagdad, tradução de Regina Salgado Campos, 304 páginas, R$ 37,90), que a Sá editora traz ao público brasileiro, fecha a trilogia sobre o Oriente, que segundo Khadra foi a sua maneira para melhorar a imagem do povo árabe e retomar um diálogo forte e instrutivo em um mundo dominado pelo tumulto e pelas explosões.
Khadra, pseudônimo feminino de Mohammed Moulessebou, nascido em 1955, membro das Forças Armadas da Argélia, usou o apelido para evitar a censura de seus primeiros livros em seu país, marcada pela guerra civil, nos anos 1990. Abandonando o exército, se dedica exclusivamente à literatura e em 2000, revela sua real identidade, causando um grande escândalo, tanto para seus leitores que acreditavam ser uma mulher a autora de textos tão sensíveis e não um militar, como para a crítica, que se mostrou indignada pelo fato do autor pertencer a um exército responsável por verdadeiros massacres sob a prerrogativa da luta contra o terrorismo. Contudo, o sucesso de seus livros em diversos países, o colocaram como um dos melhores escritores da atualidade.
“Soaram as sirenas no silêncio da noite; as construções começaram a virar pó e, em um átimo, os idílios mais loucos se fundiram em lágrimas e sangue. Minhas pastas e meus romances queimaram no inferno, a universidade foi entregue aos vândalos, e os sonhos, aos coveiros. Voltei para Kafr Kaam alucinado, desamparado e, depois disso, nunca mais pus os pés em Bagdá”.
As sirenas de Bagdá conta a história de um jovem estudante iraquiano, que antagoniza em Beirute o momento crucial que irá saldar sua dívida com o mundo ao seu redor e as lembranças que o levaram a estar ali, se preparando para o martírio. O personagem narra sua história, recordando como a invasão das tropas norte-americanas o obrigou a deixar os estudos em Bagdá e regressar ao seu vilarejo, Kafr Karam, uma aldeia ainda em estado arcaico, no meio do deserto, um lugar tão calmo que só as discussões familiares perturbam o tédio do cotidiano, até o momento que a guerra alcança a aldeia, trazendo a dor e a morte.
A morte de um homem com desequilíbrio mental, o míssil que cai faticamente em meio às comemorações de um casamento e a humilhação que seu pai sofre: jogam-no à rua, semidespito – um “ato desrespeitoso irreparável”, durante a verificação por tropas norte-americanas instigam o jovem a se vingar da desonra.
Destruído pela vergonha e sem recursos morais, ele deixa a aldeia e retorna então à Bagdá, perambula por uma cidade em ruínas, imersa na corrupção e na insegurança dos cidadãos que não perdoa ninguém, nem as mesquitas. Atormentado, se torna presa fácil do integrismo, que também o decepciona, porque a maneira que seus membros tratam seus semelhantes não é tão melhores que os ocupantes. Mas deixando se aliciar, se envolve em um atentado apocalíptico, cujas repercussões serão terríveis.
Em uma cidade sitiada, devastada pela guerra, As sirenas de Bagdá revela a clandestinidade, a falta de esperança e o ódio de um jovem perante uma situação que nem imaginava acontecer. Khadra faz de sua pena, o retrato do lado mais profundo da alma humana, e em uma linguagem poética, profunda e bela, dar voz ao intenso conflito de valores perante situações extremas.
Um romance atual, que nos traz a reflexão de como, nós, somos frágeis.