A igreja do Diabo
Vale ressaltar a grande dificuldade em classificar os contos Machadianos – bons, excelentes, excepcionais - cada um nos apresenta como uma verdadeira caixinha de surpresa, sempre, a nos inquietar. Não é diferente com esse magnífico conto – a igreja do Diabo.
Já cansado de sua tremenda desorganização, segundo um manuscrito Beneditino, o Diabo tem uma fantástica idéia em fundar uma igreja. Esta seria somente sua, com suas regras, seus mandamentos e, não obstante, com seus dóceis fiéis.
Para a concretização de seu intento, resolve alçar vôo e ir até Deus, comunicar-lhe sua generosa idéia. Parte dos confins do abismo rumo ao céu, num vôo inacreditavelmente assustador e varonil, rompendo drasticamente todas as resistências do ar.
Ao conversar com Deus, o Diabo expôs suas frustrações, embora sempre lucrando, por séculos e séculos, ainda assim, não estava contente, queria ser mais organizado. Para tanto, solicitou a Deus a permissão de juntar as pessoas na terra que fossem mais ricas nos vícios e descuidadas para o bem e, a partir daí, formaria sua própria igreja.
Após muita conversa astuciosa, envolvente e convincente, Deus concede a permissão ao Diabo para criar sua própria igreja.
Num completo estado de exaltação o Diabo retorna à terra querida. Inicia logo sua peregrinação em busca das pessoas mais perversas. Consegue muitos fiéis. Contudo cria seus próprios mandamentos, como jamais amar ao próximo, salvo, se for à mulher do próximo.
O Diabo fica extremamente convicto de que era um ser privilegiado, ante o tamanho do rebanho conseguido por ele, nessa terra tão cheia de pessoas que aderem ao mal. Pensava que estaria no paraíso, após a criação de sua igreja. Quanta organização!
Pois bem, passados alguns anos, o Diabo, fiscalizando muitos dos seus queridos fiéis, percebe-se que alguns, ainda, estão se entregando, em alguns momentos, a pratica do bem. O Diabo fica totalmente desconsolado.
Num vôo mais que drástico retorna ao céu e, novamente, solicita permissão para falar com Deus.
Deus, em sua eterna complacência e bondade, não consegue desfazer de ninguém, diz aos seus Serafins que permitissem a entrada do Diabo.
O Diabo, totalmente afoito, desconsolado e trêmulo, diz a Deus o que estava acontecendo com seu maligno rebanho na terra. Procurou as pessoas mais perversas e ainda assim, elas estariam a praticar em alguns momentos às antigas virtudes.
Então Deus responde ao Diabo:
- Mas o que queres tu? Essa é a eterna contradição humana!
Fonte: ASSIS, Machado de. Volume de Contos, Rio de Janeiro: Garnier, 1884.