A SUCESSORA - Carolina Nabuco

A Sucessora, romance escrito por Carolina Nabuco e publicado em 1934, que além de nos contar uma história de duas pessoas apaixonadas, uma moça do campo e um viúvo da cidade que são assombrados pela imagem da primeira esposa dele já falecida, traz como pano de fundo um belo retrato do Brasil do início do séc. XX, narrado com leveza e com certo caráter intimista.

Neste livro acompanhamos a história de Marina, uma moça na casa dos 20 anos que viveu a vida toda na fazenda de Santa Rosa, interior do Rio de Janeiro, onde conhece Roberto que viria a se tornar seu marido. Ele é um industrial da cidade do Rio de Janeiro, viúvo recente e viaja para Santa Rosa a negócios. Ao se conhecerem se apaixonam e se casam rapidamente. Então, Marina se muda para a bela casa dele no bairro do Paissandu. E essa mudança vai ser um muito perturbadora para Marina, que se vê diante do desafio de enfrentar a memória da falecida, Alice. Logo na chegada ao palacete se deparam com o quadro da finada esposa, o que causa certo desconforto aos recém casados. Roberto se desculpa pelo mal entendido, pois havia dado ordens para que o quadro fosse retirado, mas não se desfaz totalmente dele, apenas o remove para uma sala menor, menos usada, afinal o quadro fora pintado por um famoso artista francês, sendo muito valioso.

Acontece que é nesta sala que Marina acaba passando a maior parte de seu tempo, ela ocupa as estantes vazias com seus livros trazidos de Santa Rosa e faz desta sala seu canto particular. Além do quadro, Marina percebe a presença de Alice nos objetos da casa e nas memórias de todos que a conheciam e assim descobre que Alice era uma mulher, bonita, inteligente, exuberante, com muito traquejo social, chique, muitos amigos, excelente anfitriã e tinha uma presença marcante. E esse perfil de mulher tão perfeita, começa a gerar nela certa insegurança. Afinal, Marina é o oposto disso. Ela é uma moça tímida do campo, que embora sendo de uma família abastada, tinha hábitos simples. Apreciadora de literatura, da beleza da natureza, dos costumes do campo e suas festas populares, como a festa junina por exemplo. Ao constatar a grande diferença entre ela e Alice, começa a tecer as comparações e notar o quanto as pessoas esperam que ela seja como Alice e se sente muito mal em relação a isso. Aos poucos começa criar uma certa obsessão pela figura da finada e o quadro exposto na salinha alimenta dia após dia essa obsessão. O que a leva a um desequilíbrio psicológico que culmina numa crise existencial intensa que pode comprometer seu casamento.

Uma história leve, apesar da personagem principal entrar num profundo poço de tormentos psicológicos causados pela sua própria insegurança, mas a narrativa é fluida, sem grandes reviravoltas, ou grandes surpresas no final. A linguagem é elegante e objetiva, típica dos romances deste período, com certa erudição na fala de alguns personagens mais letrados. Apresenta uso de vocábulos e adjetivos comum da época em que foi escrito.

Romance psicológico e intimista

No começo parece só mais uma história sobre uma jovem em busca de um grande amor e que depois de casada, tenta cumprir, o que naquele tempo era considerado uma das principais obrigações da mulher no casamento: agradar ao marido. Tarefa que para muitas mulheres pode parecer exagerada ou até mesmo injusta, mas que tanto naquele tempo como nos dias de hoje ainda é uma prática muito enraizada na cultura machista em que vivemos.

Como percebemos isso na história? Bem, tudo o que Marina faz é pensando em agradar Roberto e mostrar que pode ser tão competente quanto a falecida, que inclusive deixa um caderninho com tudo anotado, para que sua sucessora não falhe na missão. Roberto por sua vez, em vários momentos demostra aparentemente ter superado a morte de Alice. Inclusive, não se agrada quando Marina tenta imitá-la. Ele se diz ciente da diferença entre elas e que a ama em seu modo de ser. Porém, em vários momentos percebemos que ele sutilmente impõe seus gostos e sua cultura. É como se Marina tivesse que se adaptar a ele e não o contrário. Ao longo de toda a história acompanhamos Marina tentando se adaptar ao mundo de Roberto, fazer-lhe as vontades, sofrendo as comparações com a falecida e é justamente essa pressão que vai levá-la ao surto psicológico e dar vida a um retrato de parede.

A partir desse momento todo dilema de Marina gira em torno dessa obsessão que ela cria em relação ao quadro da falecida. Fazendo com que sua antagonista seja não exatamente a Alice, mas sua própria insegurança e esse sentimento de inferioridade que lhe surge durante esse processo de adaptação à vida matrimonial culmina em esgotamento emocional. E é aí que o quadro da falecida, vai encarnar todas as suas angústias e ser seu grande inimigo. Um inimigo que na realidade não faz nada. Fica só pendurado na parede. Qualquer ação relacionada a ele é movida pelas emoções de Marina.

Toda essa pressão faz com que ela se esforce para ser a nova dona da casa, mas muitas coisas incomodam profundamente a protagonista, como por exemplo a superficialidade dos costumes da sociedade urbana e industrial na qual fora inserida através do casamento. Isso lhe provoca um profundo tédio. E mesmo sendo mais bonita, mais jovem e mais inteligente do que a falecida, Marina se deixa abater por comparações. Ela não consegue ver que a profundidade de seu caráter se sobrepõe a superficialidade da imagem de Alice, que se apresenta apenas como o mais bem moldado fetiche burguês de mulher ideal. Marina é superior, mas não vê isso e se esgota numa crise profunda.

A atitude que ela vai tomar para não padecer de vez, é bem inusitada para histórias desse gênero. Achei isso muito positivo no enredo. Ela dá um "basta" e o fato de estar disposta a encarar a separação e a solidão, demonstra que pode manter em si um resquício dessa inclinação para liberdade que o casamento aparentemente lhe roubara. Se ela vai levar isso adiante ou não, não posso contar para não estragar a leitura de vocês.

A única coisa que realmente não gostei foi o final, que me decepcionou um pouco. Na tentativa de expor o que se esperava da mulher naquela época, a autora enfatizada na narrativa a visão burguesa e patriarcal do papel da mulher na sociedade. O que na minha avaliação foi ruim, porque Marina desde o início apontou várias vezes para uma visão mais progressista de mundo e da vida, e a força com que ela lutava contra os valores contrários aos seus durante toda a história, me levou a criar uma expectativa de que no final ela triunfaria. Claro que de uma visão patriarcal do papel da mulher Marina "venceu" Alice. Mas para mim não, ela perdeu. Pois, seu intelecto, sua capacidade analítica, sua autonomia de pensamento e auto superação era sua verdadeira superioridade em relação a Alice e nada disso foi utilizado para dar a heroína do romance um final que ela, a meu ver, merecia.

Possíveis leituras

Um lado interessante deste romance é a representação do Brasil do começo do século XX. Um Brasil que contrapunha campo e cidade e que de um lado vivia o declínio das fazendas após a abolição da escravatura e do outro uma ascensão das cidades e do desenvolvimento das indústrias. Marina representa o velho Brasil, enquanto Roberto representa o que foi chamado de novo Brasil, o país que emergia economicamente naquela época e que trazia essas marcas nos contrapontos culturais.

A burguesia urbana da época era muito apegada a estética europeia, sobretudo a francesa. A França estava na moda no Rio de Janeiro da década de 20. Isso vai ser muito bem retratado nos costumes do círculo social de Roberto. A preocupação com a moda, as várias reuniões, visitas, festas, jantares, ser bem visto na alta sociedade era estar bem alinhado com os valores europeus daquele tempo. Marina sendo uma moça do campo, letrada e muito apegada as suas raízes populares vai criticar tudo isso, todo esse burburinho pró Europa. Ela prefere discutir literatura à modas do momento. E toda essa atmosfera em que se vê obrigada a se adaptar devido ao seu casamento, vai contribuir para o desenvolvimento de sua crise psicológica no decorrer da história.

A festa junina e o carnaval são dois momentos muito marcantes na narrativa e que de certa forma também ilustram esse contraponto, entre campo e cidade. E no carnaval do Rio, é evidenciado os vestígios do Brasil escravocrata, quando os personagens principais vão ver o desfile do chamado blocos dos pretos. E ali tem-se um dos momentos curiosos da história, pois os personagens usam uma linguagem carregada de racismo para se referir aos negros, uma linguagem que pode nos parecer pesada e pejorativa hoje em dia, mas que era comum. Não sabemos esse recurso foi por mera expressão, na tentativa de apenas retratar os vocabulário da época ou se a autora teve uma intensão fazer uma denúncia. Carolina Nabuco era filha de um abolicionista, mas é preciso lembrar que ser abolicionista não significa ser necessariamente um admirador ou ter o mínimo de compaixão pelos negros e sua cultura. A historiografia nos mostra que havia outro interesses em jogo no desfecho da abolição e mesmo os escravizados sendo libertados, não houve nenhum esforço para a inserção das pessoas negras no mercado de trabalho e na sociedade. Portanto, menos para mim ficou essa incógnita em relação a essa passagem do texto.

Toda essa atmosfera de contraste e contradições torna esse romance um verdadeiro registro histórico do Brasil da década de 20. Trata-se também de uma narrativa fluida, direta sem muitos rodeios ou descrições intermináveis. Esse é um mérito da autora, ela é objetiva e isso faz com que a leitura seja prazerosa.

Curiosidades

- A obra foi adaptada para televisão em 1978 , e tinha Suzana Vieira e Rubens de Falco no papel do casal Marina e Roberto.

- Sobre a suposta questão do plágio que Carolina Nabuco comenta em seu livro de memórias, em relação ao romance Rebecca de Daphne Du Maurier (tem resenha aqui no Recanto), fiz uma análise mais completa que você pode ler aqui no Recanto ou no blog https://okarapoetica.blogspot.com

Nesta resenha de A Sucessora fiz questão de dar ênfase a interpretação da obra, coisa que é meio difícil encontrar para ler, pois a maioria das pessoas gastam quase que a resenha inteira falando da questão do plágio e não se atentam a apreciação da obra.

SOBRE A AUTORA

Carolina Nabuco, (Rio de Janeiro, 9 de fevereiro de 1890 — 18 de agosto de 1981) foi uma escritora e tradutora brasileira. Era filha de de Evelina Torres Ribeiro Nabuco e de Joaquim Nabuco, escritor, diplomata e deputado geral do Império do Brasil, co-fundador da Academia Brasileira de Letras. Carolina passou boa parte da infância em Petrópolis, mas a adolescência foi nos Estados Unidos, onde o pai, era embaixador do Brasil.

Em 1928, publicou seu primeiro livro, a biografia de seu pai, Joaquim Nabuco, livro premiado com o Prêmio de Ensaio da Academia Brasileira de Letras. Trabalhou como tradutora e escritora, tendo uma vida bastante discreta, sem nunca ter se casado ou tido filhos.

Em 1978, Carolina recebeu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto da obra.

É considerada uma das grandes escritoras da literatura brasileira.

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OKARA POÉTICA!

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Karina Guedes
Enviado por Karina Guedes em 26/01/2021
Reeditado em 09/11/2023
Código do texto: T7168892
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