ENCARNAÇÃO - José de Alencar
Encarnação é o último romance escrito por José de Alencar, publicado postumamente em 1839 e conta a história de Amália, moça jovem, bela, que desfruta muito bem do frescor e prazeres da juventude e de Hermano, um viúvo de hábitos estranhos, cuja a história de vida e traços de sua personalidade esquisita vão sendo revelados no decorrer do enredo.
Logo no início somos apresentados à figura de Hermano que se casou pela primeira vez com Julieta e durante um bom tempo formaram um belo casal apaixonado, porém Julieta morre em decorrências de um aborto espontâneo. Ele sofre com a ausência da esposa e cria uma espécie de fascinação pela sua memória, se mantendo viúvo e fiel à falecida por muitos anos. Até que um belo dia, através do médico e amigo de infância Henrique, ele conhece Amália sua vizinha que era apenas uma menina quando se casou pela primeira vez, mas que agora já é uma moça e se interessou pela figura excêntrica de Hermano. A princípio Amália se sentiu atraída tanto pela figura de Julieta, quanto pelo fascínio que Hermano cultivava pela falecida. Os dois acabam se apaixonando, porém Hermano fica confuso com esse amor, pois ainda se sente ligado a primeira esposa. Amália também tem certo receio de início, mas mesmo assim se casam. Amália muda-se para casa de Hermano e aqui começa um série de eventos que vão fazer dessa relação, uma história no mínimo curiosa. No começo Amália tem dificuldades de se estabelecer como dona da casa e não é reconhecida como tal nem pelos empregados, sobretudo por Abreu, um criado antigo que tinha a falecida esposa como filha e não aceita presença de Amália. Além disso, ela enfrenta também problemas matrimoniais com Hermano, pois passados os primeiros dias de lua de mel, Amália se sente rejeitada pelo marido que até então nunca lhe oferecera uma carícia sequer, nem um beijo na boca. No máximo, ele lhe beijava a testa. Prestes a desistir deste casamento e propor uma separação, Amália descobre o grande segredo de Hermano e que de certa forma explica muito de sua personalidade esquisita e doentia. É aqui que a narrativa ganha certo fôlego e ao tentar salvar o casamento e tentar ser amada por Hermano, Amália entra num jogo de sedução perigoso e quase tão doentio quanto a mente enlouquecida do marido. Uma série de eventos acontecem num ritmo bem acelerado, e leva a história para um desfecho intrigante e duvidoso.
Uma história estranha e curiosa
Um enredo simples, mas que aos poucos apresenta um conflito psicológico tenso. Um homem obcecado por um ideal de mulher e a medida que vai conhecendo mulheres reais, tenta encaixá-las nesse ideal. Num primeiro momento, me passou a impressão de que José de Alencar estava apenas tentando elaborar uma defesa prévia, para justificar o direito do homem de se casar novamente. Mas não é bem assim, afinal viúvos se casarem novamente era mais comum e aceitável nessa época, do que divórcios ou as segundas núpcias femininas que costumavam ser considerados grandes escândalos.
A linguagem é elegante e simples. A narrativa é bem construída e as personagens femininas apresentam mudanças de comportamento interessantes, enquanto que os personagens masculinos se mantem previsíveis, principalmente se você observá-los bem no início.
A idealização do amor
Um detalhe curioso que nos dá pistas importantes para a história é que Hermano não estava buscando casamento quando conhece Julieta (primeira esposa) , ele se apaixona primeiramente pela voz dela que o faz imaginar a donzela protagonista da referida canção que ele adorava, uma ária de Lúcia de Lammermoor (ópera de Gaetano Donizetti que conta a história de uma donzela que enlouquece e morre por seu amor), e pode ser uma pista para compreender o desfecho da história.
Quando Hermano conhece Julieta se apaixona pela sua inconfundível presença. Ela via o casamento como uma fatalidade e que deviam pertencer uma ao outro de corpo e alma. Ele acreditava que o casamento não devia ser apenas uma união social, mas a união de duas lamas gêmeas inseparáveis. Uma forte representação do amor idealizado, eterno, imaculado. Aqui, podemos observar a idealização do amor para além da questão física, a ideia de almas gêmeas, ligações eternas, etc. e nem a morte os separa , aqui o casamento é colocado de uma maneira romantizada para além do contrato social. Casaram-se por amor e não pelas costumeiras convenções da época. Mesmo depois de morta, a imagem de Julieta torna-se um espectro vivo e presente na vida de Hermano.
Já a jovem Amália, se apresenta como uma garota que desfruta de sua juventude e liberdade de mulher solteira e não tem a mínima vontade de se casar, mas se sente atraída pela fidelidade e devoção que Hermano tem pela falecida Julieta, ou seja por aquilo que considera amor ideal.
A idealização da mulher
Essa é uma marca interessante de se observar no romance, a idealização da mulher. Hermano é um homem que tem um ideal de mulher na mente e dentro desse ideal ele não valoriza "forma" e sim "conteúdo". Ele se apaixona pela primeira esposa ao ouvir a sua voz e casa-se com ela mesmo sabendo que ela não era nem bela e nem rica, convenções comuns da época. Mas ele se encanta pela sua presença.
Hermano, só se interesse por Amália somente quando ele a ouve a cantar, pois sua voz o faz lembrar de Julieta por quem se apaixonou também ao ouvir a voz. Ele despreza seus atributos físicos e intelectuais.
Quando seu segredo é revelado e toda a sua demência vem à tona, temos então a verdadeira face do fantasma que assombra Hermano. Desde o princípio ele nunca amou nem Julieta e nem Amália e sim um ideal de mulher baseado numa certa pureza, numa essência de padrões inventados por ele e no qual ele tentou encaixar as mulheres reais que ele conheceu. Falhou ao tentar lidar com essa ilusão, e tenta fugir disso.
Possíveis leituras e minha sincera opinião
Trata-se de um livro no mínimo curioso, por apresentar em sua narrativa, vários elementos que foram retomados em outros romances posteriores, por exemplo: segundas núpcias do homem de posses, o fantasma da falecida que assombra a nova esposa e a impede de ser a dona da casa, a personalidade obscura do marido que só se explica no final mediante a descoberta de um segredo, o "exorcismo" do fantasma da primeira esposa através de um jogo psicológico de inversão de perspectivas, um incêndio fatal e a maternidade como consolidação da nova união e promessas de viverão felizes para sempre.
Esses elementos te fizeram lembrar de alguma outra história? Certamente, pois eles estão presente em A Sucessora de Carolina Nabuco (deixei resenha aqui no Recanto das Letras ), em Rebecca de Daphine du Maurier (também tem resenha aqui no meu Recanto), e também em vários outros romances do século XIX e começo de século XX. Histórias diversas, muitas delas escritas por mulheres , porém com diferentes desenvolvimentos.
Sobre essas semelhanças e principalmente sobre as diferenças fiz uma análise mais completa que você pode ler aqui no Recanto ou no blog https://okarapoetica.blogspot.com.
Não achei uma grande história e talvez não seja o melhor de José de Alencar. O personagem principal me dava nos nervos enquanto lia. Que cara chato! De toda forma, acho interessante a leitura deste livro tanto para conhecer melhor a obra de José de Alencar, mas principalmente se você tem interesse nesses temas recorrentes em romances dessa época e no curioso caso da semelhança entre os romances citados acima.
SOBRE O AUTOR
José de Alencar, (Messejana, atual Fortaleza- CE, 1 de maio de 1829 — Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 1877) foi um escritor e político brasileiro. Notável como escritor por ter sido o fundador do romance de temática nacional, e por ser o patrono da cadeira fundada por Machado de Assis na Academia Brasileira de Letras.
Na carreira política, foi notória a sua tenaz defesa da escravidão no Brasil quando ministro da Justiça do segundo reinado (ver Gabinete Itaboraí de 1868). Era neto de Bárbara de Alencar, uma heroína da Revolução Pernambucana.
Em 1856, publicou o seu primeiro romance conhecido: Cinco minutos. Em 1857, revelou-se um escritor mais maduro com a publicação, em folhetins, de O Guarani, que lhe granjeou grande popularidade. Daí para frente escreveu romances indianistas, urbanos, regionais, históricos, romances-poemas de natureza lendária, obras teatrais, poesias, crônicas, ensaios e polêmicas literárias, escritos políticos e estudos filológicos. A parte de ficção histórica, testemunho da sua busca de tema nacional para o romance, concretizou-se em duas direções: os romances de temas propriamente históricos e os de lendas indígenas. Por estes últimos, José de Alencar incorporou-se no movimento do Indianismo na literatura brasileira do século XIX, em que a fórmula nacionalista consistia na apropriação da tradição indígena na ficção, a exemplo do que fez Gonçalves Dias na poesia.
É considerado um dos grandes nomes da literatura brasileira.
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