Um Homem Célebre (de Várias Histórias) - de Machado de Assis
É o herói deste conto, Pestana, popular compositor de polcas, admirado por muitos. Conquanto gozando de sucesso e popularidade invejáveis, vivia desgostoso consigo mesmo, pois, sabia, era apenas um autor de peças efêmeras, para diversão e o prazer de público inculto, iletrado, destituído de sensibilidade musical, sensualista, que se satisfaz com qualquer obra que lhe atenda os prazeres imediatos, uns lúbricos, que usufruem nos bailes, e não o de obras imorredouras que se rivalizam com as de Beethoven, Mozart, Bach, Schumann, Haydn e outros gênios da música clássica, obras que lhe incluem o nome, eternizando-o, no panteão dos heróis da arte. O seu sucesso atormentava-o, pois era unicamente o resultado da popularidade de obras às quais ele não dava grande valor, obras que não mereciam figurar entre as criações perpétuas de músicos agraciados com o dom da música. Esforçava-se, em vão, para criar obras eternas. Após casado com Maria, viúva e tísica, bafejado com o sopro da criatividade - assim ele acreditava -, compôs um Noturno, que Maria reconheceu como sendo uma peça de Chopin. E Pestana foi obrigado a dar o braço a torcer. Ludibriaram-no sua ambição e sua memória. Reproduzira, certo de que criara uma obra original.
uma peça que não era sua. E enviúva-se Pestana. Dedica-se, durante um ano, à composição de um Réquiem, para tocá-lo numa efeméride: o aniversário de um ano da morte de Maria. Fracassado em seu propósito, envergonha-se. O seu talento dava-lhe idéias para criar polcas, polcas populares, que caíam no gosto, não muito exigente, do povo, que não primava pelo requinte, pelo apuro musical - era assim ontem, é assim hoje.
A ambição de Pestana não andava no mesmo compasso de seu talento, que lhe oferecia recursos para criar obras que os homens, pouco exigentes, amavam, e as quais ele, demasiadamente exigente consigo mesmo, ambicionando admirar seu nome no rol dos autores cuja obra é eterna, desprezava - e ele não pôde gozar de prazer que a popularidade delas lhe ofereceria caso ele não fosse tão orgulhoso, prazer que outro músico, não tão orgulhoso e pretensioso quanto ele, gozaria. Pestana queria dar passos maiores do que os que suas pernas lhe permitiam - e por isso foi um homem infeliz.