Livro Cinquenta de Julio Urrutiaga Almada: Uma poesia entre espaços
Em O Quarto de Jacob, Virginia Woolf dá grande importância para os espaços, pois constantemente o texto alterna entre cenas e pensamentos dos personagens sem que haja qualquer tipo de esclarecimento ou pista que indique, imediatamente, sobre o que se trata. Para cada espaçamento há um movimento de virada ou uma nova perspectiva. De certa forma, é sobre isso que Cinquenta, de Julio Urrutiaga Almada, se trata: trocas de perspectivas sobre um mesmo assunto intercaladas por espaços.
Cinquenta é uma coletânea do trabalho do poeta desde 1983 até 2020, com, evidentemente, o total de cinquenta poemas. É bastante plausível e até fácil contemplar esse livro quase como um diário poético ou algum tipo de grimório sobre este ou aquele fantasma que os poetas carregam nos bolsos e sutilmente invocam como musas. Seria fácil, também, tomar esse livro como um processo de reminiscência, de total nostalgia em relação a uma vida poética que alcançou a maioridade e que agora, nesse retornar para “casa”, refaz todo o percurso e nele acrescenta o olhar maduro de Odisseu muito-truque Almada. Mas, como disse, isso seria fácil ou até simplista. Nesse sentindo, é bastante redundante fazer da resenha alguma espécie de paráfrase de cinquenta poemas que constam no livro. Assim, pelo bem do texto, decidi por fiar naquilo que parece emanar entre os poemas.
Eis o fio condutor entre os Cinquenta de Urrutiaga: a morte dada por espaços. Inúmeros poemas trazem dentro de si a condição da morte como um lugar de sagração poética, como um tigre com olhos de garras que emerge dos filhos de cidades que parem para dentro e consagram elegias às estranhas forças do mundo. É maravilhosa a coincidência, ou talvez a reincidência, dos símbolos árabes de Omar Khayyam em seu Rubayat apareçam em Cinquenta: o vinho, o amor e o sensível transbordante. Talvez, cheio de esperanças e especulações, Almada converta suas temporadas no inferno em tempos de amor.
É interessante notar o quanto a melancolia urbana de amores mal-sucedidos, o sujo e escatológico dos dias bêbados e a agonia da solidão sejam temas para Urrutiaga que, apesar de malditos, adquirem um detalhe aprazível e fazem de um possível sudário algo mais próximo de uma manta que acalma as almas inquietas. Parece que o espaço entre os poemas atua como um silêncio, ou mais como um tempo de meditação após uma oração profana sobre os seres e as pequenas metamorfoses que lhes competem. Nisso repousa um ponto muito sedutor de Cinquenta: a invocação de inúmeras vozes intimamente ligadas com a angústia dos vivos em notar, tristemente, o esvair do tempo, sem que delas tenhamos pena ou pesar.
É de se perguntar, de forma bastante platônica, se morrer cinquenta vezes foi o suficiente para que Julio redigisse sua trajetória poética. É de se desconfiar, igualmente, se há para os poetas, mestres dos forjar e fingir, alguma morte para que de seus poemas extraíssem vida. Todavia, por que sempre a verdade? Para Jacob, a busca pela verdade que repousava na erudição e nos clássicos era fundamental, como pedra monumental da civilização. Mas, para nós, leitores, seja Almada seja Woolf, a verdade que deles emana é indiferente. Creio que repouse nesse detalhe o maior diferencial de Urrutiaga, pois não se trata de um poeta melancólico, com a cabeça apoiada nas mãos a espera do fim do mundo por desvelar, mas um poeta dançante, Baco endiabrado que faz do que lhe aborrece poesia e com ela dança a música dos bêbados e dos abandonados independentemente do futuro.
Tarik Vivan Alexandre , Doutorando em Estudos Literários e Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em História da Arte e Curadoria pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Colaborou com a R.Nott Magazine e a coluna Inutifilia na TxTMagazine.
Em O Quarto de Jacob, Virginia Woolf dá grande importância para os espaços, pois constantemente o texto alterna entre cenas e pensamentos dos personagens sem que haja qualquer tipo de esclarecimento ou pista que indique, imediatamente, sobre o que se trata. Para cada espaçamento há um movimento de virada ou uma nova perspectiva. De certa forma, é sobre isso que Cinquenta, de Julio Urrutiaga Almada, se trata: trocas de perspectivas sobre um mesmo assunto intercaladas por espaços.
Cinquenta é uma coletânea do trabalho do poeta desde 1983 até 2020, com, evidentemente, o total de cinquenta poemas. É bastante plausível e até fácil contemplar esse livro quase como um diário poético ou algum tipo de grimório sobre este ou aquele fantasma que os poetas carregam nos bolsos e sutilmente invocam como musas. Seria fácil, também, tomar esse livro como um processo de reminiscência, de total nostalgia em relação a uma vida poética que alcançou a maioridade e que agora, nesse retornar para “casa”, refaz todo o percurso e nele acrescenta o olhar maduro de Odisseu muito-truque Almada. Mas, como disse, isso seria fácil ou até simplista. Nesse sentindo, é bastante redundante fazer da resenha alguma espécie de paráfrase de cinquenta poemas que constam no livro. Assim, pelo bem do texto, decidi por fiar naquilo que parece emanar entre os poemas.
Eis o fio condutor entre os Cinquenta de Urrutiaga: a morte dada por espaços. Inúmeros poemas trazem dentro de si a condição da morte como um lugar de sagração poética, como um tigre com olhos de garras que emerge dos filhos de cidades que parem para dentro e consagram elegias às estranhas forças do mundo. É maravilhosa a coincidência, ou talvez a reincidência, dos símbolos árabes de Omar Khayyam em seu Rubayat apareçam em Cinquenta: o vinho, o amor e o sensível transbordante. Talvez, cheio de esperanças e especulações, Almada converta suas temporadas no inferno em tempos de amor.
É interessante notar o quanto a melancolia urbana de amores mal-sucedidos, o sujo e escatológico dos dias bêbados e a agonia da solidão sejam temas para Urrutiaga que, apesar de malditos, adquirem um detalhe aprazível e fazem de um possível sudário algo mais próximo de uma manta que acalma as almas inquietas. Parece que o espaço entre os poemas atua como um silêncio, ou mais como um tempo de meditação após uma oração profana sobre os seres e as pequenas metamorfoses que lhes competem. Nisso repousa um ponto muito sedutor de Cinquenta: a invocação de inúmeras vozes intimamente ligadas com a angústia dos vivos em notar, tristemente, o esvair do tempo, sem que delas tenhamos pena ou pesar.
É de se perguntar, de forma bastante platônica, se morrer cinquenta vezes foi o suficiente para que Julio redigisse sua trajetória poética. É de se desconfiar, igualmente, se há para os poetas, mestres dos forjar e fingir, alguma morte para que de seus poemas extraíssem vida. Todavia, por que sempre a verdade? Para Jacob, a busca pela verdade que repousava na erudição e nos clássicos era fundamental, como pedra monumental da civilização. Mas, para nós, leitores, seja Almada seja Woolf, a verdade que deles emana é indiferente. Creio que repouse nesse detalhe o maior diferencial de Urrutiaga, pois não se trata de um poeta melancólico, com a cabeça apoiada nas mãos a espera do fim do mundo por desvelar, mas um poeta dançante, Baco endiabrado que faz do que lhe aborrece poesia e com ela dança a música dos bêbados e dos abandonados independentemente do futuro.
Tarik Vivan Alexandre , Doutorando em Estudos Literários e Mestre em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná. Especialista em História da Arte e Curadoria pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Colaborou com a R.Nott Magazine e a coluna Inutifilia na TxTMagazine.