A Cigarra – de Tchekov
Conta Tchekov neste conto a história de Olga, mulher que apreciava o convívio com celebridades, pintores, músicos, literatos, atores de ópera. Casou-se com Ossip Dymov, médico legista, profissional dedicado, homem boníssimo, abnegado, marido exemplar, pacato, que, ao contrário de sua esposa, não primava pelo desembaraço no convívio com os artistas, não possuía nenhuma desenvoltura em tal meio. Tocava piano, pintava, e esculpia. Frequentava teatro e concerto, desacompanhada do marido, sempre ocupado com tarefas que lhe exigiam dedicação integral.
Não era rico o casal Ossip Dymov e Olga; todavia, sua renda permitia a Olga o gozo do prazer extraído do convívio com os atores de teatro, pintores, violoncelistas, literatos, ilustradores, pessoas que ela idolatrava, dentre elas Riabóvski, pintor de vinte e cinco anos, belo, que produzia quadros de paisagens, cenas de costumes e animais.
Tinha Olga vinte e dois anos; e Ossip Dymov, trinta e um. Nas primeiras semanas de vida conjugal, usufruíram de felicidade contagiante. Após alguns dissabores decorrentes de doenças que afetaram Ossip Dymov, a vida em comum do casal segue o seu curso natural.
Olga, e pintores, dentre eles Riabóvski, permanecem semanas, num chalé, dedicados aos estudos da pintura. Ossip Dymov visita-os, certo dia, surpreendendo, favoravelmente, a esposa. Semanas depois, a bordo de um vapor, Olga parte em uma excursão, pelo rio Volga, com pintores, excursão que duraria em torno de dois meses. E é nesta aventura que Riabóvski declara-lhe seu amor, e ela lhe corresponde; e inicia-se, então, um caso amoroso entre os dois. Passam-se os dias. Um entrevero, ainda em excursão pelo Volga, entre Olga e Riabóvski, faz com que ela antecipe o seu regresso à sua casa, para junto do seu marido, para quem pensa ela confessar seu caso com Riabóvski, mas retrocede em seu propósito, nada lhe revelando. Ossip Dymov, no entanto, desconfia que ela lhe estava traindo. Os dias seguintes, desconfortáveis para o casal. O convívio, desarmonioso. Ossip Dymov dedicava seu tempo a conversas com Korosteliov, médico, seu colega, acerca de casos relacionados com a medicina, conservando, assim, Olga excluída da conversa. E Olga atormentava-se, entre o seu amor pelo marido e o seu amor pelo amante. Enciumava-se ao suspeitar que Riabóvski mantinha relações amorosas com outras mulheres. Certo dia, ao visitá-lo no ateliê dele, notou a presença de uma outra mulher. Mordeu-se de ciúmes. Humilhou-se diante de Riabóvski. Fê-lo comparecer-lhe à casa, e na presença do marido e de Korosteliov, e com ele discutiu livremente, e as duas testemunhas não ignoraram a razão das discussões. Enfim, Ossip Dymov adoeceu de difteria. Acamou-se. Dedicaram-lhe cuidados o amigo Korosteliov e outros médicos. De nada adiantou. Ossip Dymov não convalescia. Seu destino já estava traçado. Encontraria a morte, na cama, em seu gabinete.
Atrai a atenção do leitor a passividade, dir-se-ia indiferença, de Ossip Dymov ante a exibição de amor de Olga por Riabóvski, na casa do casal, na presença dele. Ele se resignou ao caso, uma fatalidade contra a qual nada podia. Entende o autor que a bonomia de Ossip Dymov e a sua dedicação à medicina são sinônimos de tolerância à traição de Olga, sujeição à peça que a vida lhe pregava, correspondendo a ele a obrigação de aceitá-la. Não move nenhum dedo em defesa de sua honra. Faz a bondade um homem tão pacato, tão indiferente aos erros de sua esposa e ao descaramento do amante dela?