FLORES DO MAL (CHARLES BAUDELAIRE)
Você quer uma opção para ler no Halloween? Ou um livro sensível de poesias? Você quer ver belas histórias românticas em versos, ou encarar o lado sombrio do humano? Você prefere um texto técnico, cheio de rimas e vocabulário clássico, ou algo que mete o pé na porta e vai direto ao ponto?
Sem dúvidas, As Flores do Mal são um prato cheio para qualquer um que responda sim às perguntas acima - e muito mais. Nem parece que esse livro é de 1857, dado o teor de alguns poemas (o que rendeu um processo de censura contra Baudelaire que se arrastou por anos). Fã de Edgar Allan Poe e influenciado pelo Romantismo (embora com grande influência da poesia latina), Baudelaire inicia aqui uma fonte da qual beberiam o Realismo, o Simbolismo e muitos modernistas.
O fio condutor do livro é a decadência, o lado sombrio e soturno da humanidade: a violência, a obsessão amorosa, a sexualidade desenfreada aparecem lado a lado com o belo, o sintético, a luta inútil para vencer o tempo que tudo devora. A embriaguez, tanto literal como metafórica, também estão presentes com muita força.
Mas nada disso seria a mesma coisa sem dois elementos chave no livro.
O primeiro é a maneira como Baudelaire coloca um dualismo inédito em seu pensamento. Aqui, o Bem e o Mal nem sempre aparecem em luta, em antagonismo: o tédio, a agonia, o vício são colocados lado a lado como partes da vida, assim como a beleza, o amor, a juventude. É um elemento difícil de ser explicado, mas facilmente perceptível: o autor entende que a vida é impermanente e mutável, que lutamos contra o tempo, e que é da natureza humana lutar contra si própria, apenas para perceber que isso é impossível.
O segundo elemento é a forma avassaladora como Baudelaire introduziu isso na sua linguagem: como não há como fugir do tédio, da desilusão, da velhice, ele coloca em seus poemas cenas perturbadoras, em que nos sentimos mais do que desnorteados. Poemas como "Uma Carniça" e "Viagem a Citera", por exemplo, colocam você frente a frente com situações horríveis, mas que podem lhe despertar ternas lembranças de pessoas e momentos que ficaram para trás. Podem, porque com certeza não são muitas as pessoas que conseguiriam fazer isso ao encontrar um cadáver feminino de pernas abertas à sua frente, ou se imaginar apodrecendo após dias pendurado na própria forca...
E situações horríveis podem ser encontradas em todos esses poemas: esgotos, lixo, sujeira, ratos, cadáveres em putrefação - tudo isso aparece, e muito mais. O desejo sexual, por exemplo, escorre aos litros, assim como o vinho e seus efeitos (um exemplo é Lesbos).
Um aviso: Baudelaire tinha uma religiosidade toda própria, na qual Bem e Mal não necessariamente são opostos. Alguns dos poemas mais perturbadores do livro falam dessa relação. Se você for uma pessoa muito religiosa, pode vir a se sentir perturbado(a) com isso. Sendo mais explícito: Baudelaire fala muito sobre Satanás. Ele não era satanista ou coisa do tipo, e muitos dos seus poemas também falam do amor a Deus e Jesus Cristo, porém isso não faz dele um cristão. O poeta francês via tudo como algo profundo e transcendental, tendo grande influência do misticismo e paganismo. Isso faz com que ele fosse capaz de valorizar os os personagens citados acima, de ter reverência e até mesmo devoção (em alguns momentos) por eles, em outros, questioná-los.
E não se engane: ainda hoje ler "As Litanias" em voz alta tem um efeito assustador.
Em resumo, é um livro muito forte, que precisa ser lido com mente aberta, e com cuidado. Mas, para quem tem a facilidade de separar as coisas, é um trabalho excepcional. Digo sem medo: excelente opção de leitura para um Halloween e, sem medo, no meu top 5 deste ano!
Recomendado para: quem quer descobrir uma das fontes mais férteis da poesia na história. De Rimbaud a Drummond de Andrade, passando pelo Heavy Metal, Baudelaire e suas flores estão mais vivos do que nunca.
Nota: 10,0 de 10.
Dica: leia ouvindo isto - https://youtu.be/JHSMoYXqCqg