LITERATURA EM CARNE VIVA: CRIME E CASTIGO (DOSTOIÉVSKI)
(ALERTA DE SPOILERS - CONTINUE POR SUA CONTA E RISCO)
O que dizer de Crime e Castigo, considerada uma das maiores obras literárias de todos os tempos, uma obra-prima de seu autor e causador de uma revolução literária na sua época? E, ainda assim, não se pode duvidar: cada um que leia este clássico poderá falar alguma coisa diferente.
A prosa de Dostoiévski é de tirar o fôlego; mesmo com o grande número de páginas, a maneira como conduz o romance é fluente e empolgante, sem nunca abandonar a densidade e a força literária a que se propõe.
Além disso, Fiodor se mostra um grande conhecedor do coração e da psique humana. Rodion R. Raskólnikov, o personagem principal, é um homem que simboliza o humano na sua forma mais pura: ao mesmo tempo que é capaz de ajudar prontamente várias pessoas necessitadas (mesmo ele sendo uma), possui um complexo de superioridade, que o leva a criar uma teoria em que alguns homens seriam superiores em intelecto a outros, e capazes de prescindir as leis quando julgam necessário.
Desta forma, Dostoiévski consegue fazer com que você sinta empatia e torça por ele; mesmo quando Raskólnikov assassina uma senhora idosa, e uma mulher deficiente mental, para ilustrar sua teoria (a cena é digna de um filme de terror, deve deixar John Carpenter inspirado até hoje - entendedores entenderão).
Pode-se ter certeza; este livro causaria uma polêmica gigantesca no Brasil se fosse lançado hoje, nestes tempos de “bandido bom é bandido morto”.
Mas todos, absolutamente TODOS os outros personagens possuem densidade, e, pelo menos, um grande momento: Sonia, a prostituta recém-saída da adolescência, por quem o protagonista se apaixona (e não é um romance açucarado; ele é quase angustiante); Dunia, a irmã de Raskólnikov, capaz de comprometer-se num casamento sem amor para ajudar a família; Piotr Pietróvich, o noivo, um juiz insuportável e possessivo, que passa a investigar o protagonista; Razumíkhin, o braço direito de Rodion, que se apaixona por Dunia; Marmieládov, o pai de Sonia, um bêbado intelectual e cínico até o limite; Svidrigáilov, um charlatão que se apaixona também por Dunia e tenta chantageá-la com provas do crime do irmão, embora seja capaz de compadecer-se pela família de Sonia, doando uma grande fortuna em dinheiro.
Outro dos grandes méritos de Crime e Castigo é a facilidade com que o escritor transita por diversos gêneros: drama, comédia, suspense, terror, romance. Poucos livros o conseguem, como por exemplo, A Sombra do Vento. Mas é quase impossível competir com a originalidade e o caráter visceral de Dostoiévski.
Por fim, mas não menos importante, há que se destacar o impressionante trabalho de tradução de Paulo Bezerra, que consegue dar conta de um vocabulário sofisticado, porém acessível, a fim de garantir o entendimento da obra (uma verdadeira cereja de bolo), além do esmero da Editora 34, com notas de rodapé que fazem toda diferença (por exemplo: Fiodor muitas vezes usava vários apelidos para se referir a um personagem; nas notas, cada um desses nomes é explicado em seu contexto). Enfim, Crime e Castigo é tudo aquilo que as novelas da Globo e as grandes séries da TV atual desejam ser (bem que poderia ser uma leitura obrigatória, para criadores desse tipo de conteúdo): simples, sofisticado, tenso, acessível e elevador. Para além de tudo isso, possui um dos MELHORES finais já escritos na história; prepare-se para fortes emoções com esta obra.
Recomendado para: qualquer um que queira conhecer o que de melhor a mente humana já produziu em matéria de Literatura.
Nota: 10,0 de 10,0.