Greta Thunberg e família
GRETA THUNBERG E FAMÍLIA
Miguel Carqueija
Resenha do livro “Nossa casa está em chamas” (subtítulo: “Ninguém é pequeno demais para fazer a diferença”), por Greta & Svante Thunberg, e Beata & Malena Ernman. Editora Best Seller, Rio de Janeiro-RJ, 2019. Tradução: Sonia Lindblom. Título original sueco: “Scener ur hjartat”, Bokfôrlaget Polaris, Suécia, 2018; discursos de Greta Thunberg, 2018-2019.
A rigor este livro não é de Greta Thunberg mas de sua mãe, Malena Ermman. Svante e Beata — pai e irmã mais nova de Greta — provavelmente só participaram no processo criativo. Quanto a Greta, ela é autora dos discursos que vêm no final, como um apêndice.
Greta é uma menina-prodígio, de inteligência superior e grande altruísmo. Ela enxergou com clareza o fato, que deveria ser óbvio, de que o mundo se aproxima do colapso ambiental causado pelo aquecimento global, pela devastação das matas, pela poluição e pela destruição das espécies animais. A partir de sua famosa “greve climática” iniciada em agosto de 2018 ela se tornou uma figura mundial, e também acossada por toda a sorte de “bullying” na mídia. Infâmias, ameaças e mentiras atiradas contra uma menina de 15, 16, 17 anos.
A luta de Greta pela cessação da emissão de gás carbônico e demais poluentes relacionados com a queima de combustíveis fósseis esbarra com a inércia dos governos mas passou a mobilizar milhões de pessoas no mundo, jovens que aderem em massa às manifestações pela “justiça climática” em vários países.
Entretanto o livro em si é fraco do ponto de vista literário. Malena é uma cantora de ópera muito famosa na Suécia, de carreira internacional, mas não é uma verdadeira escritora. Seu estilo é medíocre: ela não concatena bem os assuntos, não tem a organicidade por exemplo de um C.W. Ceram; escreve capítulos demasiado curtos, parágrafos curtos, frases curtas. Parece ter dificuldade para desenvolver raciocínios mais elaborados.
Mesmo assim ela faz revelações importantes sobre os sistemas médico e educacional da Suécia, desmitificando um pouco o que se espalha pelo mundo sobre aquela nação. Ela mostra sua decepção com um sistema educacional despreparado para lidar com crianças especiais como Greta e Beata, ambas com síndromes diversas. As duas garotas têm Síndrome de Asperger, que faz parte do espectro autista. Beata tem TOC, TDO e TDAH (sim, essas síndromes são conhecidas por siglas). Greta ainda sofreu de depressão aos 11 anos, e desenvolveu mutismo seletivo: só falava com as pessoas da família e a professora. No entanto os diagnósticos demoraram muito tempo.
Algumas observações de Malena:
“Alguém tem que contar sobre um sistema escolar em que um em cada quatro alunos fica excluído. Esses alunos que ficaram sem certificado porque escolas-modelo que faturam dezenas de milhões em lucro “não conseguiram” contratar professores. O fracasso mais lucrativo do mundo.”
Malena comenta ainda sobre crianças autistas sofrendo “bullying”, pais e professores em depressão, crianças que cometem suicídio.
São denúncias importantes. Entretanto Malena tem algumas derrapagens na contra-cultura, pois coloca palavrões no texto — o que é totalmente desnecessário — e admite que os dizia no palco. Quanto a Svante, atuava em teatro e Malena, referindo-se a uma de suas atuações, transcreve um palavreado que sugere ser a peça em questão, senão obscena, pelo menos licenciosa.
Greta Thunberg não tem culpa desses deslizes. Ela pagou um alto preço para chegar onde chegou e superar suas deficiências. Em certa época também tinha anorexia, a ponto de perder dez quilos, o que é algo absurdo para uma criança.
A parte mais importante do volume está no finalzinho, já depois da página 300, ou seja os discursos de Greta Thunberg. Lamento que os locais e as datas não estejam em cada título respectivo, mas na ante-página dos mesmos (página 309) e por causa disso a colocação não ficou clara. Vejam algumas frases marcantes da garota:
“Ou nós continuamos como uma civilização ou não. Nós temos que mudar.” (Marcha do Clima em Estocolmo, 8/9/2018)
“Para nós que estamos no espectro do autismo, quase tudo é preto no branco. Nós não somos muito bons em mentir (sic) e geralmente não temos muito interesse em participar do jogo social de que vocês, os outros, tanto gostam.” (idem)
“Este não é um texto político. Nossa greve escolar não tem nada a ver com política partidária.” (discurso em Helsinque, 20/10/2018)
“Todos os movimentos políticos em sua forma atual fracassaram.” (Praça do Parlamento em Londres, 31/10/2018)
“Se as pessoas soubessem que os cientistas dizem que agora temos menos de 5% de chance de atingir a meta do Acordo de Paris, e se soubessem que cenário aterrorizante enfrentaremos se não mantivermos o aquecimento global abaixo de 2° C, elas não precisariam me perguntar porque estou em greve escolar sentada do lado de fora do Parlamento Sueco.” (para Ted X, novembro de 2018)
“Como podemos esperar que países como a Índia, a Colômbia ou a Nigéria se preocupem com a crise climática se nós, que já temos tudo, não nos importamos nem por um segundo com nosso compromisso com o Acordo de Paris?” (ONU, COP24, dezembro de 2018)
“Muita gente adora espalhar rumores dizendo que há pessoas “por trás de mim” ou que estou sendo “paga” ou “usada” para fazer o que estou fazendo. Mas não há ninguém “por trás de mim”, exceto eu mesma. Meus pais estavam tão distantes dos ativistas climáticos quanto possível antes de eu os conscientizar da situação.” (facebook, 2/2/2019).
Rio de Janeiro, 20 de abril de 2020.
GRETA THUNBERG E FAMÍLIA
Miguel Carqueija
Resenha do livro “Nossa casa está em chamas” (subtítulo: “Ninguém é pequeno demais para fazer a diferença”), por Greta & Svante Thunberg, e Beata & Malena Ernman. Editora Best Seller, Rio de Janeiro-RJ, 2019. Tradução: Sonia Lindblom. Título original sueco: “Scener ur hjartat”, Bokfôrlaget Polaris, Suécia, 2018; discursos de Greta Thunberg, 2018-2019.
A rigor este livro não é de Greta Thunberg mas de sua mãe, Malena Ermman. Svante e Beata — pai e irmã mais nova de Greta — provavelmente só participaram no processo criativo. Quanto a Greta, ela é autora dos discursos que vêm no final, como um apêndice.
Greta é uma menina-prodígio, de inteligência superior e grande altruísmo. Ela enxergou com clareza o fato, que deveria ser óbvio, de que o mundo se aproxima do colapso ambiental causado pelo aquecimento global, pela devastação das matas, pela poluição e pela destruição das espécies animais. A partir de sua famosa “greve climática” iniciada em agosto de 2018 ela se tornou uma figura mundial, e também acossada por toda a sorte de “bullying” na mídia. Infâmias, ameaças e mentiras atiradas contra uma menina de 15, 16, 17 anos.
A luta de Greta pela cessação da emissão de gás carbônico e demais poluentes relacionados com a queima de combustíveis fósseis esbarra com a inércia dos governos mas passou a mobilizar milhões de pessoas no mundo, jovens que aderem em massa às manifestações pela “justiça climática” em vários países.
Entretanto o livro em si é fraco do ponto de vista literário. Malena é uma cantora de ópera muito famosa na Suécia, de carreira internacional, mas não é uma verdadeira escritora. Seu estilo é medíocre: ela não concatena bem os assuntos, não tem a organicidade por exemplo de um C.W. Ceram; escreve capítulos demasiado curtos, parágrafos curtos, frases curtas. Parece ter dificuldade para desenvolver raciocínios mais elaborados.
Mesmo assim ela faz revelações importantes sobre os sistemas médico e educacional da Suécia, desmitificando um pouco o que se espalha pelo mundo sobre aquela nação. Ela mostra sua decepção com um sistema educacional despreparado para lidar com crianças especiais como Greta e Beata, ambas com síndromes diversas. As duas garotas têm Síndrome de Asperger, que faz parte do espectro autista. Beata tem TOC, TDO e TDAH (sim, essas síndromes são conhecidas por siglas). Greta ainda sofreu de depressão aos 11 anos, e desenvolveu mutismo seletivo: só falava com as pessoas da família e a professora. No entanto os diagnósticos demoraram muito tempo.
Algumas observações de Malena:
“Alguém tem que contar sobre um sistema escolar em que um em cada quatro alunos fica excluído. Esses alunos que ficaram sem certificado porque escolas-modelo que faturam dezenas de milhões em lucro “não conseguiram” contratar professores. O fracasso mais lucrativo do mundo.”
Malena comenta ainda sobre crianças autistas sofrendo “bullying”, pais e professores em depressão, crianças que cometem suicídio.
São denúncias importantes. Entretanto Malena tem algumas derrapagens na contra-cultura, pois coloca palavrões no texto — o que é totalmente desnecessário — e admite que os dizia no palco. Quanto a Svante, atuava em teatro e Malena, referindo-se a uma de suas atuações, transcreve um palavreado que sugere ser a peça em questão, senão obscena, pelo menos licenciosa.
Greta Thunberg não tem culpa desses deslizes. Ela pagou um alto preço para chegar onde chegou e superar suas deficiências. Em certa época também tinha anorexia, a ponto de perder dez quilos, o que é algo absurdo para uma criança.
A parte mais importante do volume está no finalzinho, já depois da página 300, ou seja os discursos de Greta Thunberg. Lamento que os locais e as datas não estejam em cada título respectivo, mas na ante-página dos mesmos (página 309) e por causa disso a colocação não ficou clara. Vejam algumas frases marcantes da garota:
“Ou nós continuamos como uma civilização ou não. Nós temos que mudar.” (Marcha do Clima em Estocolmo, 8/9/2018)
“Para nós que estamos no espectro do autismo, quase tudo é preto no branco. Nós não somos muito bons em mentir (sic) e geralmente não temos muito interesse em participar do jogo social de que vocês, os outros, tanto gostam.” (idem)
“Este não é um texto político. Nossa greve escolar não tem nada a ver com política partidária.” (discurso em Helsinque, 20/10/2018)
“Todos os movimentos políticos em sua forma atual fracassaram.” (Praça do Parlamento em Londres, 31/10/2018)
“Se as pessoas soubessem que os cientistas dizem que agora temos menos de 5% de chance de atingir a meta do Acordo de Paris, e se soubessem que cenário aterrorizante enfrentaremos se não mantivermos o aquecimento global abaixo de 2° C, elas não precisariam me perguntar porque estou em greve escolar sentada do lado de fora do Parlamento Sueco.” (para Ted X, novembro de 2018)
“Como podemos esperar que países como a Índia, a Colômbia ou a Nigéria se preocupem com a crise climática se nós, que já temos tudo, não nos importamos nem por um segundo com nosso compromisso com o Acordo de Paris?” (ONU, COP24, dezembro de 2018)
“Muita gente adora espalhar rumores dizendo que há pessoas “por trás de mim” ou que estou sendo “paga” ou “usada” para fazer o que estou fazendo. Mas não há ninguém “por trás de mim”, exceto eu mesma. Meus pais estavam tão distantes dos ativistas climáticos quanto possível antes de eu os conscientizar da situação.” (facebook, 2/2/2019).
Rio de Janeiro, 20 de abril de 2020.