Resenha Impressionista para "A Política da Internet"

Resenha de “A Política da Internet I: Redes de Computadores, Sociedade Civil e Estado” (Manuel Castells)

Neste texto, Manuel Castells faz uma análise extremamente lúcida da dinâmica envolvida no uso político da internet, e das redes sociais atuais. Ele é o autor que lançou a ideia das redes como organização, no fim do século passado, e continua investigando esse tema e seus desdobramentos em diferentes áreas.

Ele analisa a transformação das regras do jogo político-social que ocorre no ciberespaço e acaba por afetar as formas e objetivos dos movimentos e dos atores políticos. Aborda quatro macro aspectos, que são os subtítulos do texto.

(1) a nova dinâmica dos movimentos sociais

Nessa nova dinâmica, o autor destaca os princípios, valores e funcionamento dos movimentos sociais com uso da internet:

- O papel da internet e das redes sociais não é só instrumental para os movimentos e conflitos sociais e políticos.

- São agora mobilizados em torno de valores culturais.

- Alcançam pessoas capazes de aderir aos seus valores, e assim, atingir a consciência da sociedade como um todo – alcançam poder sobre a mente.

- Exemplos são La Neta, Falun Gong, os protestos hacker-ativistas, que se mobilizam em torno de valores culturais, que vão se modificando, se adaptando aos novos tempos (a defesa de interesses de classe viram defesa de justiça social para todos).

- Substituem as antigas organizações (em crise) verticalmente integradas (sindicatos, partidos políticos, associações cívicas formais, ONGs).

- Precisam obter o alcance global dos poderes vigentes, exercendo seu próprio impacto sobre a mídia, através de ações simbólicas.

- A informalidade e espontaneidade marcam os movimentos sociais mais produtivos. Com a Internet, podem ser diversos e coordenados ao mesmo tempo, com debates e reconfigurações permanentes, e sendo na Internet, não podem ser aprisionados nem desarticulados.

- Tornam a internet, de ferramenta organizacional para as empresas, uma alavanca de transformação social.

(2) a interconexão de comunidades locais por computadores e a importância delas para a participação do cidadão

O autor conta a longa história do experimento pioneiro da Cidade Digital de Amsterdã, realizado por redes de artistas e pessoas da mídia mais a rede da comunidade hacker. A comunicação interativa entre o conselho municipal e os cidadãos se ampliou até comunicação livre, e depois foi diminuindo a proporção dos debates sobre questões políticas e aumentando o pedido de informações tecnológicas.

O autor aponta que a ambiguidade de querer se conectar com a comunidade global e ao mesmo tempo promover a comunidade local desenvolveu as redes, tornando-se ambiente tecnológico de mobilização social de cidadãos. E recomenda: o espaço público virtual requer cuidado e manutenção - e recursos para isso. A questão central é se sobra espaço para cultura não comercial e interação social na Internet.

Depois, ele conta sobre o movimento de contraculturas digitais ZeligConf de 2000, com muitos representantes de inúmeras áreas da sociedade. Conclui que (na época) uma sociedade civil global poderia estar surgindo, ou poderia surgir nos próximos anos, e se o fizer, redes de computadores locais/globais de cidadãos serão, sem sombra de dúvida, um de seus componentes essenciais.

(3) os usos da Internet na pratica da política informacional

O autor comenta os possíveis (e controversos) usos da internet para divulgação de informações sobre temas políticos. Destaca que a interatividade torna possível aos cidadãos solicitar informação, expressar opiniões e pedir respostas pessoais a seus representantes. Mas a maioria dos governos apenas apresenta informações, sem foco na interação real. Os políticos usavam ainda a televisão, o rádio e os jornais como principal mídia um-para-muitos, na época pré-WhatsApp.

E os cidadãos, indiferentes aos políticos, também pouco usavam o canal de comunicação multidirecional. Conclui que a Internet não pode ser um conserto tecnológico para a crise da democracia.

E reforça essa conclusão comentando que a política da mídia leva a prevalência da “política do escândalo” (p.ex. vazamento de informação para a mídia, para desonrar um oponente, ou produzir contra-informação para restaurar a imagem de um político sob ataque). E depois fala das fake news (que eram chamadas “rumores”): a fronteira entre mexerico, fantasia e informação política valiosa fica cada vez mais difusa, complicando assim ainda mais o uso da informação como arma política privilegiada na Internet (como bem demonstra o atual mau uso do WhatsApp).

Conclui que “em vez de fortalecer a democracia promovendo o conhecimento e a participação dos cidadãos, o uso da Internet tende a aprofundar a crise da legitimidade política ao fornecer uma plataforma de lançamento mais ampla para a política do escândalo. O problema, naturalmente, não está na Internet, mas no tipo de política que nossas sociedades estão gerando.”

(4) a emergência da “noopolitik” e da guerra cibernética no cenário geopolítico

O autor faz um longo comentário sobre o uso agressivo das redes como armas para atacar adversários, obter informação crítica, poluir bancos de dados ou devastar sistemas-chave de comunicação. Quanto mais o governo / sociedade dependem de sua rede avançada de comunicações, mais ficam expostos a ataques desse tipo, especialmente na “periferia” das redes, em que funciona a economia e a vida diária das pessoas. Diz que os governos estão impedindo a difusão da tecnologia da criptografia, alegando que isso facilitaria atividades criminosas, mas que essa tentativa de controlar a informação pela proibição da difusão da tecnologia da criptografia deixa o Estado / sociedade vulneráveis a ataques na periferia da rede.

A “noopolitik” diz respeito às questões políticas do ambiente de informação global (ciberespaço, sistemas de informação, mídia), e a capacidade de atuar sobre mensagens da mídia e seu fluxo é essencial para a promoção de um programa político. Exemplifica que movimentos sociais e ONGs tornaram-se muito mais competentes em agir sobre as mentes das pessoas no mundo todo mediante a intervenção no sistema de comunicação e representação em que se formam as categorias e se constituem os modelos de comportamento.

Reflete que, como a estratégia política é um meio para a fabricação de poder, há um jogo duplo: a moldagem das ideias globais a favor de um dado conjunto de interesses nacionais ou sociais torna-se a nova, e mais produtiva, fronteira do exercício do poder no cenário mundial.

E comenta mais um pouco sobre a transformação da guerra com o uso de redes de computadores como armas: comunicação eletrônica, sistemas de vigilância, aviões não tripulados e munições guiadas por satélite, e também a dependência de comunicações seguras, robustas, capazes de manter conexão constante entre os nós da rede, sistema de comando, controle, comunicações, computadores, inteligência, vigilância e de comunicação, geração de tanta informação que será necessário, e visão “aérea” / quadro geral do que se passa.

A política da Internet

Na seção final do ensaio, o autor resume que: na co-evolução da Internet e da sociedade, a dimensão política de nossas vidas esta sendo profundamente transformada. O poder é exercido antes de tudo em torno da produção e difusão de nós culturais e conteúdos de informação. E complementa, contrabalançando: A Internet não é um instrumento de liberdade, nem tampouco a arma de uma dominação unilateral.

A análise de Manuel Castells apresenta um panorama de diferentes aspectos do aproveitamento da internet para funções políticas: a nova dinâmica dos movimentos sociais; a interconexão de comunidades locais por computadores e a importância delas para a participação do cidadão; os usos da Internet na pratica da política informacional; e a emergência da “noopolitik” e da guerra cibernética no cenário geopolítico. E o parágrafo final do texto me parece que resume a ideia do autor quanto ao uso político da internet, então reproduzo:

“Na verdade, a liberdade nunca é uma dádiva. É uma luta constante; é a capacidade de redefinir autonomia e pôr a democracia em pratica em cada contexto social e tecnológico. A Internet encerra um potencial extraordinário para a expressão dos direitos dos cidadãos e a comunicação de valores humanos. Certamente não pode substituir a mudança social ou a reforma política. Contudo, ao nivelar relativamente o terreno da manipulação simbólica, e ao ampliar as fontes de comunicação, contribui de fato para a democratização. A Internet põe as pessoas em contato numa ágora publica, para expressar suas inquietações e partilhar suas esperanças. E por isso que o controle dessa ágora publica pelo povo talvez seja a questão política mais fundamental suscitada pelo seu desenvolvimento.”

Aline Vieira Malanovicz

22/08/2020