O Design da Escrita - Antônio Suárez Abreu

Comento aqui o livro 'O Design da Escrita', de Antônio Suárez Abreu.

Apesar de um tanto simples e introdutório, o livro permite discutir pelo menos duas ideias bastante legais para escritores, a de "Referenciação Criativa" e de "Projeções por Esquemas de Imagens".

As duas são óbvias de início, mas, se olhadas com atenção, revelam um detalhe crucial da escrita.

ANTES... RESUMO DO LIVRO 'O DESIGN DA ESCRITA'

'O Design da Escrita é um livro curto de pouco mais de 150 páginas com a proposta de dar bases para a escrita, seja ela literária ou não. Sua estrutura já marca essa versatilidade e divide os capítulos em dois grandes grupos: 'O Desenho do Texto', e 'Escrevendo Ficção'.

O primeiro grupo traz princípios gerais de um texto, seja qual for a natureza do texto. O segundo grupo, evidentemente, é voltado a elementos da escrita ficcional. Aí que teremos capítulos como "Mas... O que é mesmo um texto?" e "O Conflito: estrutura dos plots".

O livro, contudo, não se aprofunda muito nos tópicos que traz – principalmente na parte referente à escrita ficcional. E apesar do mérito que é a linguagem direta e bastante compreensível do autor, fica a ressalva de que talvez o livro sirva mais para quem está numa primeira aproximação dos mecanismos da escrita.

Não que o livro seja ruim. Porém, para quem já teve contato com outros livros do tipo, a sensação de novidade pode ser reduzida.

Entretanto, contudo e todavia, pincei ali duas ideias que achei interessantes e parecem fundamentais a qualquer escritor em formação.

REFERENCIAÇÃO CRIATIVA

O autor emprega este termo para discutir a noção de que a escrita nunca é a coisa em si, mas sim a reconstrução de um objeto real no plano da linguagem.

Parece óbvio, eu sei.

Porém, se a gente para e pensa sobre, é legal perceber o peso que assume o aspecto referencial da escrita.

Quer dizer, escrever algo é, sempre, construir referências na esperança de que o leitor, partilhando dessas referências em algum nível, interprete adequadamente o que vai escrito.

E aí que seja num ofício para notificar uma empresa do vencimento do contrato, seja num conto de vampiros do século XVIII, o escritor deve se questionar:

"Quais elementos a minha escrita está referenciando? O leitor partilha dessa referência?"

Logo, ter consciência sobre a referenciação criativa permite dotar a escrita de mais eficiência e eficácia.

Na prática, ajuda a sacar quando uma ideia foi lançada sem o devido ‘rastro’ que permite ao leitor chegar aonde queremos que ele chegue.

E esse aonde, é claro, pode ser não apenas no nível do entendimento / compreensão racional (como no caso de um ofício entre organizações), mas também no nível da empatia / sentimento (como no caso de um texto mais literário).

PROJEÇÕES POR ESQUEMAS DE IMAGEM

O termo se refere a estruturas implícitas que ajudam a dotar as palavras de um sentido específico e situacional.

Parece meio confuso e complicado, mas é até simples.

Exemplo: se alguém diz que fulano 'subiu' na vida, entende-se o 'subiu' não como o movimento literal, e sim como um sentido metafórico – geralmente algum tipo de ascensão social envolvendo dinheiro e/ou status.

O bacana de pensar tais estruturas implícitas é tomar consciência sobre o potencial caráter duplo (ou triplo, ou quádruplo, ou quíntuplo, etc) das palavras usadas num sentido não-literal.

Se eu digo que o fulano é um 'monstro', isso pode ter interpretações variadas conforme a estrutura implícita (que é geralmente dada pelo contexto).

Numa academia, significa que fulano é grande, musculoso; numa conversa sobre um crime cometido, significa que fulano não tem escrúpulos morais; numa conversa entre duas amigas sobre a paixonite de uma delas, se empregado à paixonite pode significar uma observação exagerada (e esperamos que com propósito cômico) sobre a aparência da paixonite.

A validade de refletir sobre essa projeção de esquemas de imagens é, portanto, fazer questionar o escritor:

"Estou conseguindo triangular bem o trio palavra-contexto-significado? Não estou pensando remeter a X quando, na verdade, o leitor está indo por Y?"

A MORAL DA LEITURA DE 'O DESIGN DA ESCRITA'

Se tivesse de resumir a lição que 'O Design da Escrita' deixou, e principalmente pelas duas provocações dos conceitos mencionados acima, seria mais ou menos assim:

O ato comunicativo da escrita só se completa na leitura.

Com o risco de simplificar demais uma discussão bem mais profunda, o lance, ao que parece, é nunca perder de vista a distância que existe entre escritor e leitor.

Quem nos lê o faz com outros olhos, com outras experiências, em outros momentos. Como é então que poderíamos nos dar o luxo de escrever sem ter consciência desse processo? E, pior, como é que poderíamos escrever algo sem tentar algum tipo de controle sobre essa variável?

"Um texto, portanto, não é alguma coisa que venha pronta, com sentido completo, como diz a tradição. É apenas uma proposta de construção de sentidos. Somos nós, leitores, que, vasculhando nossa memória, buscamos dentro do nosso conhecimento de mundo informações adicionais que possam complementar aquilo que lemos. Sem isso, não há entendimento possível."(O Design da Escrita, p. 22).