RESENHA CRÍTICA DO LIVRO "POR UMA OUTRA GLOBALIZAÇÃO: DO PENSAMENTO ÚNICO À CONSCIÊNCIA UNIVERSAL" DE MILTON SANTOS
(“Vivemos num mundo confuso e confusamente percebido” pg.17)
Terminei de ler o livro “Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal” do geógrafo Milton Santos. Fiquei impressionado com sua relevância e atualidade. Não poderia ser de outra forma, pois se trata de um dos mais importantes pensadores brasileiros.
Percebi que, no livro, não há uma ruptura com a ideia de globalização ou algum ataque a sua emergência no mundo contemporâneo. Não se trata de alguma ação de esvaziamento do conceito tratando o mesmo como vazio ou desnecessário, mas de uma reformulação de seus valores. Há, segundo o autor, uma “base técnica” que sustenta a globalização. Entretanto, essa base produz um alto grau de perversidade à medida que aumenta no mínimo duas coisas que devem ser observadas com especificidades: a desigualdade social e a pobreza entre as pessoas. “Mas, essas mesmas bases técnicas poderão servir a outros objetivos, se forem postas ao serviço de outros fundamentos sociais e políticos” (pg. 20). Portanto, o autor não é contra a globalização, mas a favor da reformulação de diversos valores sociais e políticos no processo de construção ou afirmação desse conceito. Como está posta, a globalização produz perversidades no sentido mais amplo de prejuízo dos mais pobres e causa desigualdades de diversas grandezas. Mas não cabe combatê-la no sentido de negar sua relevância para o mundo contemporâneo, tão somente reformular suas bases para que esta produza resultados positivos, satisfatórios.
Haveria um processo de fabulação da globalização, isto é, a manipulação de informações para que ela se apresente como maior combate a estes males, quando na verdade é ela a causa. Por isso, o autor propõe sabiamente a reformulação dos valores e princípios que dão base a esse processo.
Mas, afinal, segundo Milton Santos o que é globalização? É nada mais, nada menos que "a internacionalização do mundo capitalista" (pg.23). Ou seja, é a expansão do capitalismo em âmbito global. Como o capitalismo é um fator que desencadeia crises, não é de surpreender que “um período sucede a outro, mas não podemos esquecer que os períodos são, também, antecedidos e sucedidos por crises, isto é, momentos em que a ordem estabelecida entre as variáveis, mediante uma organização, é comprometida” (pg.33).
Aqui, vou abrir um parêntese - na resenha do livro - para dizer que nossa época atual de pandemia é algo novo, mas que não foge a esta regra de sucessivas crises econômicas internacionais. Só vale lembrar que embora seja de ordem de saúde global a pandemia causou profundas fissuras e rupturas na economia ou no capital mundial e essas crises parecem fugir um pouco dessa abordagem para explicitar aspectos globais que atingem esse capital internacional e que não podem ser limitados pela abordagem da territorialização.
Posto isso, fica mais fácil de compreender que Milton Santos faz uma análise de como se deu “o processo de produção da globalização” (pg.15), seu aspecto de perversidade centrada, sobretudo, “na tirania da informação e do dinheiro” e finaliza sua exposição buscando explicitar essa reformulação das bases do capitalismo internacional para a produção de uma outra globalização, como o título do livro diz: que se afaste “do pensamento único” e se aprofunde mais numa “consciência universal”.
Muitas outras reflexões podem ser feitas ao tratarmos do conteúdo do livro e o relacionarmos com nossa realidade atual. Desde o processo de imposição de uma ideologia governamental que persegue as minorias e propõe a ruptura com instituições democráticas até a necessidade da presença do estado na retomada da economia e incentivos empresariais.
MINHA CRÍTICA AO LIVRO: qual seria minha crítica pessoal a um livro tão importante (o melhor que li esse ano, até agora)? Penso que o autor faz uma abordagem de certa forma reducionista ao se prender ao aspecto formal do empirismo e no aprofundamento da técnica na abordagem sobre as bases da globalização. Talvez o autor tenha se preocupado demais em estabelecer o caráter perverso e os limites territoriais da globalização e não em produzir uma reflexão que ultrapassasse o empirismo histórico, fato esse que poderia desaguar em categorizações racionais não tão fáceis de serem percebidas ou explicitadas. Assim, no livro, há certo apego ao empirismo e a técnica para não só explicar o processo de globalização, mas também para sugerir outras bases sociais e políticas a esse processo com o objetivo de reformular valores para a obtenção de outros resultados, como já foi explicitado aqui. Acredito que se fosse uma reflexão mais abrangente – ultrapassando o formalismo empírico e as especificidades da técnica – poderia chegar a resultados mais abrangentes, não necessariamente mais seguros. Mas isso de forma alguma deixa o livro menor na sua relevância, no máximo na sua extensão.
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 18ª Ed. Rio de Janeiro: Record, 2009.