RESENHA CRÍTICA SOBRE O LIVRO “ANATOMIA DO ESTADO” DE MURRAY N. ROTHBARD

(Por Leon Cardoso)

O estado deve intervir na economia? Deve propor saídas econômicas, por exemplo, quando empresas desse nosso imenso mundo capitalista não conseguem? Deve interferir no capitalismo para reparar os males como as desigualdades sociais e a miséria entre as pessoas que esse modelo proporciona? O estado deve, em tempos de pandemia, isentar impostos para empresas, liberar verbas e incentivos fiscais para que as empresas e os pequenos empresários não caiam na falência? O estado deve interferir na educação para garantir o mínimo de instrução para aqueles que não podem pagar? E o bolsa família? E o auxílio emergencial que o estado proporciona para ajudar os mais carentes nesse difícil momento de pandemia? O governo deveria jamais ter interferido na vida das pessoas dessa forma e que para o bem de todo o Brasil esses e outros benefícios sociais deveriam ser cancelados?

Pode parecer surpreendente, mas de acordo com Murray Rothbard com o livro “A anatomia do estado” essas questões devem ser respondidas pela negativa, com exceção da última. Pois, segundo ele, o estado representa uma ameaça a tudo aquilo que consideramos honesto e moral, além de que ele (o estado) está “majoritariamente interessado em proteger a si mesmo, e não os seus súditos” (Rothbard, pg.38).

Trata-se de um livro bem escrito, com um estilo bastante irônico e com uma linguagem rebuscada e apelativa. É um ensaio relativamente curto e contém no máximo meia dúzia de afirmações relevantes. Isso porque boa parte do livro chega a conclusões firmes, mas se alicerçam sobre premissas falsas.

Assim, finalizada a leitura, podemos perceber facilmente que muitas são as falsidades presentes no livro. Vamos a elas:

1ª FALSIDADE DO LIVRO: o autor propõe uma questão linguística, condena os resultados de tal questão sem explicitar detalhadamente seus emissores. Diz ele: “Com o advento da democracia, a identificação do estado com a sociedade foi redobrada ao ponto de ser comum ouvir a vocalização de sentimentos que violam quase todos os princípios da razão e do senso comum, tais como: “nós somos o governo” ou “nós somos o estado” (pg.7). Seguindo a linha de raciocínio do autor, podemos entender que se tais expressões linguísticas servem para manipular pessoas através da imposição de determinada ideologia governamental principiada com “o advento da democracia”, então ela (a democracia) seria um erro, pois é ela que permite uma “identificação” mais precisa entre estado e sociedade. É a isso que eu chamo de argumentos que contém conclusões verdadeiras sobre premissas falsas. Ou seja, a conclusão de que a democracia promove uma identificação maior entre estado e sociedade é verdadeira, mas o princípio do raciocínio da expressão “nós somos o governo” atribuída a essa aproximação é falsa, pois, mais adiante (de forma tardia) Rothbard vai dizer que um dos responsáveis por afirmações ideológicas de governos que defendem a interferência do estado são “os intelectuais do estado”. Ora, se são estes os “intelectuais” responsáveis por tais produções ideológicas, então não podemos responsabilizar a sociedade, muito menos o processo democrático que aproxima ela do estado.

2ª FALSIDADE DO LIVRO: o autor faz uma distorção entre a expressão linguística “nós somos o estado” / “nós somos o governo” e qualquer tipo de permissão dada ao estado para este fazer o que queira em nome de todos. “Se ‘nós somos o estado’, então qualquer coisa que o estado faça a um indivíduo é não somente justo e não tirânico, como também “voluntário” da parte do respectivo indivíduo” (pg. 7). Talvez o autor não tenha entendido que, uma coisa é a defesa da interferência do estado, outra é a construção do processo ideológico dele, e outra ainda mais distante é o estado fazer unilateralmente o que bem queira buscando uma legitimação de todos que o defenda como modelo político. É essa a distorção realizada no livro a qual me referi. Vou dar um exemplo: se você defende a liberdade em ter uma arma de fogo e um bandido lhe assalta usando uma arma, quem tem que ser punido pelo crime? Quem assaltou com a arma que adquiriu com facilidade pela liberdade de tê-la ou quem defende essa liberdade? Fácil responder.

3ª FALSIDADE DO LIVRO: mais uma vez o autor expõe um juízo falso. Aqui ele inverte o raciocínio e apresenta premissas verdadeiras “devemos, portanto, enfatizar a ideia de que “nós” não somos o estado; o governo não somos ‘nós’” (pg.8), com uma conclusão falsa “o estado não “representa” de nenhuma forma concreta a maioria das pessoas” (idem). Dentre outras distorções, Rothbard parece não entender que defender a interferência do estado não significa a defesa da expressão “nós somos o governo” e que a partir disso as pessoas que respondem por esse governo não podem fazer o que decidirem por conta própria e está tudo bem, independente do que façam. Achei que era fácil todos compreenderem que o limite de qualquer pessoa dentro de uma democracia sempre será a constituição.

A conclusão falsa desse raciocínio é que, como sabemos, se a maioria das pessoas, através do voto, decidirem por um político e o elegerem, a partir daquele momento aquele político será seu representante e colocará em prática possivelmente o que se comprometeu durante a campanha com projetos de governo ainda que esses projetos validem a presença do estado em diversas áreas. Isso é a essência, o fim último do voto em uma república: os políticos representam as pessoas que o elegeram. Os representantes políticos dos estados são os representantes máximos de seus eleitores, obviamente. Entretanto, Rothbard afirma que mesmo que a maioria das pessoas vote em um político que defenda o estado, esse não pode ser considerado representante dessa maioria: “o estado não “representa” de nenhuma forma concreta a maioria das pessoas” (idem).

4ª FALSIDADE DO LIVRO: o autor diz: “o estado é a organização social que visa a manter o monopólio do uso da força e da violência em uma determinada área territorial” (pg. 8). Mais uma falsidade ou distorção consciente no livro. Não é, necessariamente, a força e a violência os meios para o estado obter sua receita. Digamos, por exemplo, que aumentou um determinado imposto sobre um produto. Quem decidiu aumentar? O congresso votou e o presidente sancionou? Pronto. Cadê a força ou a violência nisso? Digamos que o presidente com uma medida provisória mudou regras de investimento no meio ambiente e o congresso aceitou, onde esta a força e a violência nisso?

Há muitas outras falsidades na obra, mas fiquemos por aqui. Não há necessidade de nos discorrermos tão extensivamente nessa reflexão. Com o que foi exposto até aqui já dá para conhecer o necessário sobre boa parte do pensamento desse autor. Outras de suas obras vão nessa mesma perspectiva, assim como também a de outros tais como, por exemplo, “A mentalidade anticapitalista” de Ludwing Von Mises.

Para finalizar, devo dizer que por alguns momentos me perguntei sobre o que eu tinha aprendido de positivo lendo esse livro (“A anatomia do estado” de Murray Rothbard). Devo dizer que, o autor expõe diversas facetas relevantes do estado e, que, devemos aceitar sua obra, no mínimo, como alerta sobre o aspecto de perversidade das pessoas que, em nome do estado, podem fazer absurdos como, por exemplo, manipular informações e praticar crimes. Seriam crimes sustentados por uma “legitimidade” proporcionada pelo livre processo democrático de escolha de tais representantes políticos.

Não vou comparar esse ensaio com outros que li. Deixemos os outros nos seus contextos. Conhecer as divergências é sempre o mais indicado para conhecermos os nossos limites e melhorarmos nosso autoconhecimento.

ROTHBARD, Murray N. A anatomia do estado; tradução de Tiago Chabert. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises. Brasil, 2012. 50p

Leon Cardoso
Enviado por Leon Cardoso em 15/07/2020
Reeditado em 17/07/2020
Código do texto: T7007134
Classificação de conteúdo: seguro