"Macário" de Álvares de Azevedo: a primeira e única peça daquele que poderia ter se tornado o maior dramaturgo brasileiro
“Macário”, peça em dois atos do escritor brasileiro Álvares de Azevedo. Trata-se da única peça escrita pelo autor que, devido à tuberculose e outros problemas de saúde, faleceu de forma prematura, quando tinha apenas 20 anos. Azevedo deixaria ainda um livro de poesias (“Lira dos vinte anos”), um livro de contos (“Noite na taverna”, que funciona como sequência de “Macário”), dentre outros textos pequenos avulsos e/ou inacabados. Toda a sua obra foi escrita ao longo de quatro anos.
Na obra, no primeiro ato, o estudante Macário chega até uma estalagem, após uma viagem, para pernoitar. Lá, enquanto janta, conversa e faz amizade com um desconhecido sobre os mais diversos assuntos. O desconhecido releva, posteriormente, ser o próprio Satã. Logo depois, ambos saem de noite, montados em um burro, em direção à cidade próxima.
No segundo ato, Macário está na Itália. Lá se encontra com seu amigo Penseroso, que sofre pelo amor de uma moça. Ambos debatem sobre o amor, com Macário assumindo uma visão mais pessimista e desiludida. Satã, posteriormente, retorna à história.
Como dito, Álvares de Azevedo morreu muito cedo. “Macário”, como sua primeira obra de teatro, possui diálogos fluídos e inteligentes. Os personagens são incorporados à cena com muita naturalidade e embora o pessimismo esteja presente no texto, há uma dose de humor que permeia, em momentos oportunos.
Influenciado pela própria condição de saúde e pela leitura de escritores como Goethe, Azevedo, embora fosse um escritor romântico, rejeitava o romantismo. Há um certo niilismo em seu texto, que tenta fugir da fantasia, do amor idealizado. Contudo, será mesmo? Embora os personagens sejam apresentados como boêmios, na vida real, Álvares de Azevedo era tido como estudante exemplo, leitor voraz, um “bom moço”, por assim dizer. A complexidade da mentalidade do autor, com as diferentes facetas pertinentes à alma humana, só poderia ter sido conhecida melhor se ele tivesse deixado mais obras, onde poderíamos acompanhar sua evolução como artista e através do testemunho de seus contemporâneos. A brevidade de sua vida atrapalhou essa análise.
O prefácio da presente edição, assinado por Edgar Cavalheiro, traz uma citação interessante de Antonio de Alcântara Machado: “A literatura dramática brasileira perdeu em Álvares de Azevedo a sua maior esperança, talvez o seu verdadeiro iniciador, capaz de fazer escola, com influência bastante para desviar para o teatro grande parte do pendor nacional para a poesia”. Há dois pontos que quero chamar a atenção aqui. O primeiro é o lamento pela perda precoce do autor. Uma leitura de “Macário” sem conhecimento prévio da biografia de Azevedo pode levar, facilmente, à percepção de que não se trata de um escritor iniciante, mas sim um escritor maduro, experimentado. Isso evidencia a genialidade.
O segundo ponto é que, se tivesse tido mais tempo, talvez Azevedo fosse considerado o verdadeiro iniciador da literatura brasileira. Arrisco dizer que Alcântara Machado estivesse pensando em José de Alencar quando disso isso. Afinal de contas, Alencar, geralmente tido como pioneiro nesse sentido, fez sua estreia em 1857 com a novela “Cinco minutos”, publicada em formato de folhetim, cinco anos após a morte de Álvares de Azevedo. Contudo, sejamos francos, novelas como “Cinco minutos” e “A viuvinha”, embora bem redigidas, possuíam um texto tão pueril que não possibilitam comparação com o “Macário” de Azevedo. Essa pequena peça é muito melhor, em termos de literatura, do que as duas primeiras novelas de Alencar.
“Macário” é uma peça com texto sagaz, inteligente, provocativo e bem-humorado, representando uma boa amostra do romantismo brasileiro. Uma ótima leitura.