Cinco minutos & A viuvinha: o chato romantismo burguês de José de Alencar
“Cinco minutos” e “A viuvinha”, duas novelas do escritor brasileiro José de Alencar, publicadas numa mesma edição. Tratam-se das duas primeiras obras do autor, publicadas em 1856 e 1857, respectivamente.
Na trama de “Cinco minutos”, o protagonista (certamente o próprio Alencar) perde o ônibus por apenas cinco minutos de atraso. Ao embarcar no seguinte, senta-se casualmente ao lado de uma moça cujo rosto está coberto por um véu. Ela permite que ele segure suas mãos, mas não chegam a se apresentar, antes dela desembarcar. Então, nos dias seguintes, ele parte em uma busca para tentar reencontrar e saber a identidade da jovem que, mesmo interessada por ele, prefere se manter anônima.
Por sua vez, na trama de “A viuvinha”, conta a história de Carolina e Jorge, um jovem casal apaixonado. Ele está em uma situação financeira terrível e, no auge da dor, encontrará na morte sua redenção. Cabe agora à Carolina lidar com a viuvez precoce.
Alencar entrou para a história como o primeiro romancista que colocou, como temática, o Brasil no centro de suas obras. Ao longo de sua vida literária, procurou retratar diferentes aspectos da vida brasileira, geograficamente falando. Seus livros eram ambientados no sertão nordestino (vide “O sertanejo”, por exemplo), no interior do país (vide “Til” e “O tronco do ipê”), litoral cearense (vide “Iracema”), pampa gaúcho (vide “O gaúcho”) e, por fim, o ambiente urbano (vide “Lucíola”, “Senhora”, “Diva” e as duas novelas da presente resenha). Ao analisar essa postura do autor, é nítido que havia uma preocupação de Alencar em criar uma literatura brasileira de fato.
É inegável a importância de Alencar para a história da literatura brasileira. Contudo, isso não significa que sua obra seja imune a defeitos. Eis o caso aqui. O Romantismo, como estilo, possui como características predominantes uma idealização passional e um sentimentalismo exacerbado. Isso permeia todo o texto dessas duas obras. O Romantismo em si já é exagerado, mas nessas duas primeiras obras de Alencar beira ao ridículo. Uma pieguice exagerada que torna o texto intragável, devido à dose generosa de açúcar. Os personagens são tão irritantes que eu torcia para que eles tivessem um final infeliz.
Entretanto, há algo que torna a experiência pior: o universo burguês (que inclui o próprio autor). A sociedade burguesa do período do Segundo Reinado do Império do Brasil, tal qual todas as elites que ditaram os rumos do país ao longo das décadas seguintes, é desinteressante, enfadonha. Quando lembramos que o Realismo já dava seus primeiros passos na mesma época em que Alencar estreava, percebe-se o abismo que há entre as primeiras aventuras literárias do autor e as obras realistas que já se apresentavam ao público. “Madame Bovary”, do francês Gustave Flaubert, por exemplo, foi publicada no mesmo ano que “Cinco minutos”. Até mesmo obras do Romantismo produzidas no Brasil, em anos anteriores, tinham algo que já dialogava com o Realismo, tornando-as mais interessantes. Cito, por exemplo, o curto e genial "Macário" de Álvares de Azevedo. Perto de obras realistas, a trama de Alencar soa quase infantil, o que torna a leitura desinteressante, gerando enfado.
A originalidade de Alencar só veio a se manifestar depois, em obras onde retrata a cultura indígena como, por exemplo, em “O guarani” e na já citada “Iracema”’. Entretanto, por mais que quisesse, Alencar não poderia adentrar na alma do povo mais humilde, maior parte do Brasil desde sempre, dado o seu elitismo. Nas obras de Alencar, é visível uma contaminação por um olhar mais elitizado sob o todo, ainda que se manifeste de forma tênue. Burguês, Alencar era ainda conservador, tendo se tornado político durante o reinado de Dom Pedro II, ocupando o cargo de ministro da justiça. Nesse período, foi um ardoroso defensor da escravidão. Ele acreditava que o fim da escravidão atrapalharia o povoamento do restante do país (!). Ora, como uma criatura com visão tão racista e míope poderia ter a capacidade de escrever sobre a alma do povo brasileiro? Não podia. Simplesmente precisaríamos ainda de algumas décadas para ter um Ariano Suassuna ou um Jorge Amado.
Enfim, “Cinco minutos” e “A viuvinha”, embora bem escritas, são obras que representam os aspectos mais irritantes do Romantismo, redigidas por um autor que, devido à miopia de sua posição social, conservadorismo e posicionamentos retrógrados (até para a época), seria incapaz de entender a alma do povo brasileiro humilde, maioria que leva o Brasil nas costas, em suas obras seguintes.
Essas duas primeiras obras, embora sejam marcos iniciais na literatura brasileira, surgem tardiamente visto que o Realismo, mais maduro como estilo, já vinha se desenvolvendo na Europa. José de Alencar emula dos europeus, em forma de folhetins, um Romantismo superficial e ridículo, que só encontrava eco nas madames burguesas da elite carioca e paulista. O autor evoluiu com o passar do tempo, o que é natural e esperado, visto que não tinha como ele escrever algo tão chato quanto essas duas primeiras novelas.
É válida a leitura como curiosidade histórica e literária… e é compreensível que jovens desanimem de entrar no maravilhoso mundo da literatura quando, na escola, são estimulados e, às vezes, obrigados (como nos vestibulares) a lerem os primeiros textos de José de Alencar. Uma leitura regular, sendo generoso.